quarta-feira, 28 de julho de 2010

Um

Todo mundo que me conheça além de uma mesa de bar - e, muito provavelmente, quem só me conhece ali mesmo - já sabe que eu não sou adepta de uma religião ou uma banda ou um prato ou um relacionamento. Gosto de misturar as coisas.
Eu aviso logo de cara, porque assim as chances das pessoas se decepcionarem comigo são praticamente nulas. Eu ronco, não gosto de arrumar o quarto, choro demais na TPM, não vivo sem Coca-Cola, não sei fazer divisão com dois números na chave, corrijo erros de português, quase nunca tenho dinheiro, durmo feito uma mendiga, sou hiperativa, falo sozinha, vivo numa bolha à parte do mundo real, não fico com a unha por fazer, não tenho peitos gigantes, gosto de ficar sozinha, esqueço a maioria das coisas que tenho pra fazer, tenho ideias estúpidas, sou estúpida, corro atrás do que quero mas nem sempre sei o que é, gosto de perfumes caros e músicas antigas e palavras estranhas, falo bobagem demais, sou convencida de mim, não gosto muito de ser sexy, pulo na cama e dou cambalhotas às vezes pra lembrar como era a menina que eu era e tentar segurar um pouquinho dela na minha mão, não gosto do meu aniversário, cito Paulo Coelho a torto e a direito e em situações nem sempre cabíveis, jogo coisas embaixo da cama pra não ter que guardar e, como se isso tudo não fosse suficiente, tenho a raiz do cabelo ligeiramente oleosa e umas espinhas que insistem em permanecer. Todo mundo que já me viu em algum lugar sabe.
E sabe também que esse negócio dos relacionamentos que eu menciono toda vez é um jeito de dizer "não se aproxime, o risco de choque anafilático de mim é grande demais, você é uma gracinha e bem que podia querer morrer, mas não vai, acredite".
Mas o um ouviu tudo isso, muito mais de uma vez, e deu risada.
Quais as minhas chances?
O um deu risada porque ele é do meu mundo há tanto tempo, conhece tão bem as coisas que eu guardo na lembrança, e sempre achou que tinha algo a mais escondido e esquisito em mim, que um dia ele podia talvez querer pra ele pra sempre. Porque ele apoia as minhas vontades, acha lindo eu empilhar as palavras sem fim e nunca diz eu acho, que é recorrente demais no meu vocabulário. Esse cara que se diz feioso e magrelo, que cozinha com o amor maior do mundo, que me viu menina e me adora assim e que me vê agora e me adora mais, e que eu adoro cada dia mais, e que anda comigo de mãos dadas por aí, fazendo planos e fazendo eu achar lindo imaginar relacionamentos estáveis e duradouros, coisa que eu nunca faço e nem achava que existia, esse cara é igual pros outros, mas pra mim é diferente. Esse cara que acha engraçada essa coisa de eu dizer que tenho "30 desde os 16" e que é minha mãe que sempre diz isso, mas na verdade eu ouvi a mãe de alguém dizer isso da filha e achei legal e queria que fosse a minha que tivesse dito de mim. Esse cara que liga pra mãe dele a duzentos mil quilômetros e diz "mãe, vou casar com a Carol", assim, sem vergonha, e que daí fica tímido pra me contar. É louco, coitado, quer matar a mãe dele do coração e me matar de vergonha e me encher de "como eu vou olhar pra ela agora?", é louco. Ele quer me mostrar o mundo lindo dele e quer ver o meu mundo maluco.
Daí eu, que gosto das coisas do meu jeito, que não suporto quem se precipita, que até ontem ria dessa história de amor pra vida toda e agora passo os dias sonhando com a mão dele na minha pra sempre. Eu fui lá e apaguei a agenda do meu celular. Eu não quero as minhas opções. Eu quero só ficar com ele, dormir com ele, comer com ele, morar com ele, casar com ele. Ele com aquela barriga que eu nunca vi de verdade, e que eu fico medindo pra saber quantos beijos cabem e quanto tempo eu levaria até ele perder o fôlego. Ele com aquela mania dele de achar que tá falando tudo errado quando é comigo que ele fala, com aquela vontade que ele tem de ser perfeito sem saber que é mais. Ele com aquela certeza toda de que falta pouco e aquele jeito que ele tem de comemorar comigo e de falar sobre "fazer feliz" como se fosse a coisa mais importante do mundo pra ele, e me deixar sem saber o que responder e sem conseguir falar, quase igual um soco no estômago, mas de um jeito bom. Ele com aquela vontade que ele tem de uns 500 filhos e uma casa com uma cozinha grande e um casal de labradores e toda aquela utopia linda que eu pego emprestada pra mim e me acho no direito de me incluir e ele com aquela certeza de que eu nunca vou estar muito perto e mesmo assim ele quer. Ele com aquela compreensão de que eu vou ficar por aí mas no fim o que vou querer mesmo é chegar em casa de madrugada e acordá-lo e dar um beijo de boa noite e amanhecer junto. E eu quero isso sempre. Eu quero o "que gostoso" que ele diz quando acha uma coisa boa demais pra descrever. Eu quero aquela orelha na minha boca e aquele abraço quando um de nós voltar. Eu quero sentar no balcão enquanto ele faz o jantar e ficar falando um monte de bobagem até ele enjoar e dizer "prova isso, amor, vê se tá bom". Eu quero ligar pra mãe dele e contar que ela vai ser vovó no viva voz, pra gente poder falar ao mesmo tempo e ela ter um troço do outro lado da linha e gritar o pai dele "você nem acredita". Eu quero dizer pra ele que ele é o pai mais babão do mundo, o melhor cozinheiro, o noivo mais lindo. Que ele é chato porque fica com aquela cara de malandro quando eu to falando sério e que ele é um conquistador barato e que aquele jeito dele me olhar pode qualquer coisa.
Ele é um lindo, um querido, um bobo, um louco, um doce, um só. E só um cara no mundo podia ser assim pra mim.

Delicadeza



Sempre conta.
Só porque eu acordei com essa martelando. Mas Rod Stewart é pra ser ouvido inteiro.

terça-feira, 27 de julho de 2010

Posso?

E porque você resolveu falar de uma pessoa tão próxima de você, e já que você eu não tenho como tocar agora, aí me deu vontade de chegar mais perto dela.
Eu ri, ficou esquisito. Mas de repente me peguei tendo muitas conversas com ela no sábado à tarde, tomando sei lá um chá ou cerveja (ela bebe?). Porque você é tipo uma coisa que eu olho de longe e eu sei que estou chegando lá, mas ainda não consigo abraçar e ela é um jeito de eu te sentir mais. Mais próximo, mais tangível, mais concreto. Ela é um jeito de eu te sentir mais meu.
Aí eu fiquei pensando e isso tudo ia parecer tão idiota se eu te falasse de verdade, assim na cara, que resolvi falar tão indireto que eu nem sei se você vai entender. Ei, posso pegar emprestada pra mim? É só por um tempo, prometo; é só até eu poder te segurar aqui; é só pra eu ficar mais perto também, sei lá, acho que eu queria poder dizer que tenho que dividir meu tempo entre minhas coisas e as suas. Porque não vai acontecer isso, de repente me dei conta. Nosso tempo vai ser inteiro nosso, sem almoço de domingo, sem criança nascendo pra visitar, sem esses detalhes, eu acho, né? Meu tempo vai ser seu e seu tempo vai ser meu sem intervalos (tá, eu deixo você trabalhar, pode ir, dá só mais um beijinho aqui, bonitinho, não demora).
E aí fiquei pensando que vai demorar pra gente se conhecer, porque ela não vai estar, né? E porque você falou que a gente ia se gostar tanto assim, fiquei curiosa. Aí achei que podia ser uma boa ideia eu pegar emprestada só pra ter onde almoçar no domingo que não seja a minha vó que eu amo tanto... só pra eu poder me convencer de que um dia vai ser assim mesmo, eu no meio do que é seu. Só pra eu ter quem abraçar quando a saudade de você for grande demais pra caber em mim. Eu sei que é uma ideia estúpida e confusa, eu sei. E que eu provavelmente vou parecer desequilibrada querendo abraçar teu mundo assim, de uma vez, sem nem você pra me mostrar como é. Mas você me fez tão segura pra dizer o que eu quisesse que as minhas loucuras nem parecem tanto assim ou eu é que não to sabendo mais como controlar isso tudo. Eu sei que é uma ideia idiota e que você vai rir um monte se chegar a entender o que eu to tentando dizer enquanto tropeço nas minhas palavras e na timidez que me deu do nada, só de pensar nisso. Eu sei que é uma ideia ridícula e egoísta, te pedir emprestada alguém que nem você pode ter ultimamente, e eu com esse monte de gente em volta, eu sei. Mesmo assim... deixa?

Retroativo

"That's all folks", já dizia Pernalonga.
E só. Derrota. Só que agora ela não é minha e eu não vou ficar explicando. Minha lembrança está rindo. Cansei e estou tão bem com o meu cansaço que eu vou ali viver uma porção de coisas boas.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Unbelievable

Eu não acredito no amor. Já explico.
Talvez pela separação dos meus pais, quando eu tinha 15, talvez pela separação gradual de todo o resto dos casais da minha família ao longo da minha vida, talvez pelo descascado que ficou no meu coração algumas vezes e que eu precisei de muita massa corrida pra consertar e ainda assim tem gente que quando entra repara que ele está lá, talvez pelo fato de eu ter nascido desprovida de paciência, não se sabe. O fato é que eu não acredito mais no amor.
Não acredito em brigas por motivos non sense como a pasta de dente apertada em cima, a toalha molhada em cima da cama, a louça que ninguém quer lavar, o barzinho com os amigos e o futebol.
Não acredito em discussões por conta da interferência materna de um dos lados, por conta do nome dos filhos, por conta da cor da parede da sala, por conta da caneca de leite derrubada no sofá.
Tem gente que diz que amor se contrói e eu discordo. A gente constrói confiança, constrói hábitos, constrói horários e rotinas, constrói apelidinhos carinhosos. Não amor. Amor ou é ou não é. Ou bate ou não bate. Ou vai ou racha. Amizade é outra coisa. Carinho é outra coisa. Respeito é outra coisa. Amor é feito de tudo isso, mas também (e, talvez, sobretudo) é pele. E é por isso que não se vive só de amor.
É por isso que aquela química irresistível e aquele furacão interno não bastam. Amar é também conviver. E conviver denota imediatamente ceder e compartilhar. E entender que não há mais "problema meu" ou "problema seu". E assim mesmo não perder a própria personalidade. Por isso é tão difícil amar... não é todo amor que se dispõe.
E é assim que eu não acredito no amor.

Ponto. Na outra linha. Parágrafo.

Eu não acredito no amor, mas acredito em gente que fica acordada às duas da manhã, tentando encaixar entre as linhas algo que consiga chegar perto daquele monte de frases soltas e pensamentos revoltos que não deixam o sono vir.
Eu não acredito no amor, mas acredito em gente que sabe conviver com a leveza de amar, como se ele existisse. Em gente que dá o melhor de si até quando não pode tocar.
Eu não acredito no amor, mas aí vem você e fica falando de uma porção de coisas que eu ignoro, que eu desconheço, que eu desaprendi de viver. E eu não durmo. E continuo convencida de que não acredito no amor, mas me pego ridiculamente imaginando como seria incrível se ele existisse mesmo... que susto bom eu ia levar, amor!

sexta-feira, 16 de julho de 2010

...comigo?


Prometer te amar na saúde e na doença, na pobreza e na riqueza... isso é ridículo, isso é o mínimo que se pode pedir à pessoa que está ao seu lado.
Prefiro prometer que vou te amar debaixo de chuva ou na areia da praia...
Te amar chorando porque chutou o pé da mesa, ou sorrindo porque eu cheguei mais cedo do trabalho...
Prometer que vou te fazer sorrir mesmo quando eu estiver com vontade de chorar...
Coisas assim.

*Rápido, preciso de ajuda para um sequestro pelo resto da vida!

(Palavras emprestadas)

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Difícil



Pedi a ele pra anotar o negócio do sussurro no meu ouvido. Não queria correr o risco de ele esquecer e não me dar.
Ele me respondeu bem isso, que não precisava anotar porque tinha passado o dia olhando pro quarto e posicionando umas velas no pé da parede. E que não tinha perigo de esquecer porque aquilo não era uma anotação, era um plano pensado nos mínimos detalhes.
Eu nunca soube fazer planos e não fazia ideia do que seria, no fundo, ter um pensado nos mínimos detalhes, mas gostei da frase e sorri. Na verdade sorri porque fiquei com vergonha, ele me fazia isso o tempo todo.
Ele riu, achando graça. Me puxou pra perto dele e coçou minha cabeça. Não achei tão bom assim... eu ainda queria falar.
Gosto de coisas sexy não vulgares... pensei, alto. Ele disse que achava sexy alguém com a camiseta dele de manhã. E eu ali, louca pra usar a camiseta dele toda manhã pro resto da vida, louca pra usar a vida dele toda manhã tarde e noite até gastar todas as camisetas. Mas ele ainda tinha que dizer que preferia me ver sorrir de vergonha do que qualquer outra coisa que isso pudesse trazer, um dia.
Sem problema. Eu morria de vergonha. Era toda vergonha. Vergonha era o meu nome do meio, e o último. Não era o primeiro porque meu coração de repente estava batendo tão rápido que não me deixava ter primeiro nome. Meu primeiro nome era um intervalo vazio, acho que eu tinha esquecido qual era.
Porque eu já tinha tido experiências o bastante pra conhecer gente que tirava minha roupa com os olhos, sem me tocar. Era constrangedor, mas ele fazia pior. Ele tirava minha roupa só de falar enquanto olhava pela janela, nem pra mim!
Eu me distraía um segundo e lá estava ele, correndo com a minha blusa. Mais uma única frase e eu precisava rápido de um lençol.
Ele pensou, essa louca lê de pé em cima da cama porque diz que fica mais perto da luz!, e sorriu, disfarçando, como se eu não soubesse o que ele estava pensando.
Ele voltou à forra, aproveita pra falar bastante porque já já tua boca vai estar tão perdida na minha que você nem vai se lembrar como usá-la pra outra coisa. Usou o verbo assim, tão bonitinhamente conjugado, que eu tive que quase gritar.
Devolve a minha roupa agora!!!
Ele quase morreu de rir. Eu estava morrendo de sono, queria ver se dormindo eu conseguia pegar minha vida de volta. Tinha saudade dela me incomodando. Ele entortou o sorriso. Vem pegar, vem.
Mas eu não tinha nem ar. Sumiu tudo de dentro de mim de repente. Fiquei comovida com a cena dos dois, tão maduros, rindo sozinhos.
Ele deve ter percebido, porque virou pro outro lado e respirou fundo, enquanto provavelmente pensava em mais alguma coisa pra me levar o lençol. Te levo no meu corpo, não posso dizer que no coração porque você é muito grande pra entrar nele, melhor se encaixar em cada parte, assim toda vez que me olho lembro de você, já te levo dentro, dentro e ao lado.
Pronto.
Precisei de um bilhete pra conseguir dizer alguma coisa. O sono estava me matando e tinha um nó grande e gostoso na minha garganta. Aproveitei a tela do computador, onde eu estava sentada, vamos continuar esse papo na cama? Quise dizer, você aí e eu aqui, calro... *Quis *claro. Aí perdi orumo.
Ele não perdoou, olhou bem pra mim e, rindo da gagueira que me deu de repente, mandou de direita. Foi usar a palavra cama e você errou mais, em duas frases, do que em tudo que escreveu o ano inteiro.
Era pior que isso. Ele levantou da cama e sentou na banqueta, do meu lado. Te adoro um montão. Meus repentinos doze anos só conseguiram responder te adoro o Himalaia. Era a risada dele ecoando de novo. Gosto do jeito que você tem de se expressar. E eu detesto esse jeito que você tem de me desconstruir. Relaxa que ainda faltam 18 minutos pra você se despedir.
E ele me puxou num abraço tão doído daquilo que a gente não conseguia explicar que eu poderia terminar de enlouquecer bem ali.

terça-feira, 6 de julho de 2010

Gostoso



Tudo que é proibido é mais gostoso.
Nem tudo. Andar na contramão pode fazer mal à saúde. Não parar na linha do trem, idem. Assim como ultrapassar em faixa contínua, fumar no posto de combustível, ultrapassar o limite de áreas de risco e provocar sua namorada no auge da TPM (bom, não é proibido, mas é bem perigoso também). O complicado sim, é sempre mais gostoso.
Gostoso!
Que nem tomar sorvete no parque domingo à tarde. Que nem dar risada sozinho, lembrando alguma coisa. Que nem camiseta velha na hora de dormir. Que nem cheiro de chuva. Que nem compartilhar piadas internas. Que nem prender vaga-lume na mão. Que nem perfume de lençol limpo. Que nem vinho no inverno. Que nem carta escrita à mão. Que nem dormir abraçado. Que nem achar dinheiro no bolso da calça. Que nem aquela bala em pó que estalava na língua e não existe mais. Que nem soprar semente de dente-de-leão. Que nem abraço de saudade. Que nem descobrir que você precisa de alguma coisa que não precisava antes.

*****

Era comum ela riscar o que escrevia. Cinco minutos e ela já não concordava mais consigo mesma.
Mas ele estava sempre tentando ver por cima dos ombros dela. Ela percebia e escondia. E riscava. E sorria. Ele ria.
Ficava tentando entender por que se lia nas linhas dela. Ficava pensando e ensaiando dizer o quanto queria concordar com as linhas que ela displicente e criminosamente riscava. Ficava olhando pra trás e querendo adivinhar onde raio estava ela até agora.
Ela nunca soube responder. Nunca soube de verdade onde estava; gostava de pensar no futuro, mas nunca teve muita certeza do presente. Achava sempre que devia estar em outro lugar.
Ele continuava perguntando. Ou tentava. Continuava imaginando desfechos interessantes pras coisas que ela dizia. Ela ria. Ele sorria.
Ela falava de portas com a mesma certeza que usava quando comentava sobre o tempo. Ele ficava ouvindo e pensando que raio de porta era essa e o que ela queria dizer com aquela conversa toda. Ele despistava e dizia que a porta estava sempre aberta, esperando alguém entrar. Ela falava de arrombamento. Ele achava mais interessante usar um grampo de cabelo. Ela achava mais charmoso, mas continuava esperando alguém entrar com porta e tudo.
Ela queria dizer o quanto achava estranho aquilo tudo. Contar o tempo em horas a mais nunca tinha sido costume, e agora era tão comum que ela nem sabia explicar. Ela respirava fundo e ficava dissertando sobre outras coisas, pra não ter que tocar no assunto e correr o risco de assustar as horas e delas começarem a passar em outro ritmo. Ela vivia fugindo das horas. Começava a falar da tal porta e não parava nunca mais, com medo de caber alguma observação (de si mesma) nos intervalos.
Ele queria dizer como se sentia quando ela riscava as palavras que pareciam tão importantes para ele. Ele queria dizer como se sentia riscado também.
Mas ela achava as palavras todas tão descartáveis. Ela dizia que eram só um monte de coisas tiradas de um dicionário.
Ele ria e continuava tentando enxergar enquanto ela continuava escrevendo e riscando.
Ela via e ajeitava o cabelo atrás da orelha e jogava todo pro lado, pra esconder os riscos. Ele pensava em fazer cócegas, mas sabia que aí nem ia querer ler mais nada. Porque rir era sempre a melhor parte. Eles paravam tudo pra rir. Tinha hora que nem todo o riso do mundo era o bastante. Tinha hora que o coração acelerava e aí eles riam. E concordavam: que situação!
Era tão bom desse jeito que eles até esqueciam as palavras, riscadas ou não. Porque tinha hora que rir era o único jeito de os dois se salvarem.
Que nem a vez que ele ficou olhando pra ela por trás da garrafa de cerveja e nenhum dos dois conseguia desviar o olhar, nem falar nada. Que nem aquele dia que ela tocou a campainha sem avisar e nenhum deles sabia o que dizer. Que nem quando os dois queriam falar ao mesmo tempo. Que nem quando eles começavam a falar bobagens e não conseguiam mais parar.
Mas eles eram importantes de uma maneira diferente. Aquela luta com o que tinham a dizer era só mais um jeito de se econtrarem.
Os dois sabiam disso, mas disfarçavam. Ele até queria dizer, mas não conseguia. Ela falava demais.