quarta-feira, 7 de setembro de 2011

As linhas coloridas e o nó na garganta

Há coisas que simplesmente foram feitas para acontecer. Muitas vezes são malucas e tortas e erradas e dão um monte de problemas mas a gente sabe, de algum jeito, que tem que ser assim.
Há coisas que não.
Começou quando eu esbarrei na caixinha de costura e espalhei linhas de todas as cores no chão. Todas as cores de linhas e eu ali, juntando uma por uma pra guardar de volta na caixinha porque, por mais bonitas que elas ficassem espalhadas no chão, não era esse seu lugar.
Eu passei minha vida inteira correndo de tudo que pudesse significar que eu estava presa. Eu nunca quis morrer na cidade onde nasci, nunca quis uma casa lá, nunca quis me apegar demais a nada que pudesse me reter àquele lugar. E precisei atravessar oceanos inteiros das minhas dúvidas e medos e convicções para me dar conta de que, afinal, eu pertenço a tudo isso.
Minha maldita mania de sagitariana de querer aventura me faz inventar coisas. Costumava ser saudável e todo mundo elogiava e olha só como ela tem tanta coragem, mas acho que esqueci como canalizar minha energia criativa para o que realmente é útil e foi assim que eu acabei derrubando a caixinha de costura no chão.
Uns dias antes eu acordei vomitando tudo o que tinha no estômago e no coração e na alma. Tem coisas que meu corpo expulsa contra a minha vontade mas no fim eu agradeço, ainda que me sinta tão vazia e sozinha e juntando linhas do chão. Seis horas e meia de exames e fotos internas disformes acabaram com uma médica simpática me explicando que finalmente eu consegui: estou doente de tanto pensar. Mas é isso, toma esse remedinho aqui pra tirar tua ansiedade e tenta não ficar tão nervosa.
Acontece que eu nem fiz vinte e três anos ainda porque meu aniversário é só no fim do ano e eu me deprimo tanto quando ele chega, como é que vou ficar tomando remédio pra poder achar tudo menos feio? Eu nasci na primavera - tudo bem, era quase verão, mas isso não deveria me dar um pouco de cor e de perfume e de leveza?
Claro que eu enlouqueci. Tive uma crise de choro sem precedentes, embora todas as minhas crises de choro sejam sem precedentes, quis quebrar copos e janelas e corações e deixar tudo pra trás pra arrumarem sem mim, quem sabe assim dava pra perceber como é solitário isso de ficar juntando pedaços o tempo todo. Lembrei das crises de falta de ar e do pânico e só de pensar já me deu vertigem. Eu não quero isso mais. Eu não vou mais me matar voluntariamente e em doses homeopáticas.
Não é minha culpa que, aos vinte e poucos, haja vidas já tão cheias de passados que não admitem presentes. Não é minha culpa e eu não posso assumir consequências de tragédias alheias.
Eu não sinto ódio, não sou indiferente, não vou me matar de tristeza. Pelo contrário. Eu agradeço porque me deram muito, porque eu devo muito, porque eu tive sim com quem contar, porque eu não me arrependo. Mas tem horas que é melhor deixar que tudo siga seu curso sem interferir, sem forçar situações, sem enlouquecer.
Se eu tenho que passar por cima de tudo o que defendi e acreditei a vida inteira para isso, tudo bem. Se eu tenho que retroceder e guardar as linhas coloridas para quando elas forem realmente úteis, não faz mal. Também é muito meu isso de assumir minhas besteiras. Também vou sobreviver a isso. As minhas consequências, ainda que me quebrem e me machuquem e me forcem a encarar coisas desagradáveis, eu estou preparada para aguentar. Desde que sejam minhas, desde que sejam obra das minhas decisões. Os pesos alheios eu sinto muito, mas não posso carregar.
Há coisas que simplesmente foram feitas para acontecer. Há coisas que não. E, mesmo que seja triste e chato e complicado, ninguém nunca morreu por engolir as próprias certezas.