quinta-feira, 31 de março de 2011

Como não agir para obter sucesso

Porque me pedem pra ter paciência, e eu não tenho. Porque me pedem pra dar notícias, e eu não dou. Porque o calor já está chegando e eu não sei o que fazer com as minhas expectativas e medos e indecisões. Porque eu não leio um livro que queira de verdade há muito tempo. Porque minha bunda só diminui e minhas roupas já me encheram. Porque eu não tenho minha loirinha pra brigar pelo computador, nem meu violeiro pra acompanhar minhas cantorias solitárias. Porque eu não tenho as costas do meu pai pra cutucar no domingo à tarde. Porque no domingo à tarde eu trabalho ao invés de viver. Porque deu vontade de discutir com a minha mãe tentando convencer que eu tenho razão mesmo quando sei que não. Porque o sol saiu, porque tá chovendo, porque perdi meu brinco.
É isso, então... se eu desistir de novo e ficar com aquele pânico que eu sinto sempre que saio correndo, se eu depois ficar olhando o celular esperando a eutanásia telefônica que eu esperei a vida inteira. Porque tem coisas que não valem a pena, mesmo. E tem aquelas que valem, mas a gente nunca sabe a diferença.
Tem diferença? Entre o que foi dito e o que calou, aquelas tardes à toa com as amigas e os encontros marcados no sábado à noite, na sexta, na terça, só porque não há nada melhor pra se fazer. Só porque a gente se acostumou a respirar mesmo e a estar arrumado e a beber uma cerveja pra comemorar que a sexta chegou e fingir que não é só mais um fim de semana, que acaba numa segunda com a gente ainda ganhando o mesmo salário ridículo. Só porque todo mundo diz que você tem que entender porque é assim mesmo... e que as coisas se ajeitam depois, quem sabe se você prestar um concurso público? Quem sabe se tomar dois Dramins e tomar um banho e amanhã vai ser tudo bonito de novo. Porque é só uma noite ruim. Porque você não vai mesmo cair nesse abismo que tem por dentro e sabe disso, então já dá pra parar de fingir que você odeia tudo e que seu salto te dá o direito de andar olhando pra frente com cara de capa de revista.
Porque a vida ainda não me reensinou como parecer normal no meio de tanta gente fingindo entender essa coisa toda. Eu ainda não reaprendi a prender a respiração e ignorar o cheiro de podre que vem de tudo quanto é lugar, só pras pessoas pensarem que eu já consigo ficar dentro de mim sem me incomodar com a bagunça.
E se pra alguém é suficiente essa combinação de costume com ar poluído e espera e essa coisa de paciência porque sempre tem amanhã e depois. Se tem quem prefere um cigarro na janela, tudo bem. O mundo continua aí, mesmo que eu não possa vê-lo. Grande coisa. Grande coisa eu, grande coisa minhas conclusões e meu medo e a passagem que eu ainda posso trocar. Grande coisa isso de se ter paciência. E se tem gente que se cabe, se tem gente que consegue e ainda por cima tira foto e ri e tudo. Se tem gente que grita e isso basta, e tem outras gentes que calam e conseguem ficar assim e foda-se o resto das coisas. Se tem quem dá a mínima pras palavras e os significados todos que elas têm dependendo do contexto e dos motivos que há pra dizê-las. Se há quem esteja por aí vivendo e isso é tudo. Embora eu não consiga ainda... se tem, se tem é porque é possível... e ainda há esperança pra quem, assim como eu, continua não tendo cabimento.

domingo, 13 de março de 2011

O que não mudou

Eu continuo não me achando digna da inveja alheia. E continuo odiando quem julga ser.
Acho, como já disse antes, que ninguém está nem aí pras minhas regras e pra maneira que eu escolhi pra olhar esse mundo maluco, embora também ache que muita gente teria menos problemas se usasse meu tão familiar "dane-se" com maior regularidade. Mas entendo que cada um escreve suas linhas como convém e que não vale a pena morrer sufocada, gritando como as coisas são menos complicadas se você olhar do lado certo e tentando convencer a população mundial a discutir menos por besteira.
O mundo é isso aí mesmo e eu acho, como também já disse, que ando me encaixando melhor nele de uns tempos pra cá. Pelo menos consigo conversar com as pessoas sem mencionar meus abismos e sem pensar neles. E isso deve ser uma coisa boa, de algum jeito.
Eu continuo cercada de coisas boas, ainda que haja muita coisa ruim. Eu não acho que o universo esteja todo o tempo tentando me fazer sofrer de algum jeito, o que combina com a minha decisão de não ficar sofrendo ainda que esses sejam os planos do universo pra mim. Aparentemente, eu e o universo andamos inclusive concordando sobre muita coisa, olha só.
Ainda acho que nós escolhemos a maior parte da nossa vida, então meus passos têm sido calculados pensando no que eu quero pros meus dias e isso é incrível, porque me faz sentir que finalmente sou capaz de decidir algo além da cor do meu cabelo. É claro que eu acho isso estranho, tratando-se de uma pessoa que julga que o fato de ter mais peito facilitaria as coisas pro seu lado.
Naturalmente eu acho que minhas regras são legais e boas e praticáveis e, ainda assim, continuo me achando desequilibrada e doente em excesso e, justamente por isso, continuo acreditando de verdade na impossibilidade de existir alguém doente o bastante pra sentir inveja de mim. E odiando quem se acha muito digno da inveja alheia.
Mãe, fique tranquila, eu ainda sou a mesma. Continuo sendo aborrecida e maluca e, como você pode ver, obviamente continuo sendo prolixa.

quinta-feira, 10 de março de 2011

Soro

Há uma semana eu vi a porta da igreja aberta e entrei. A missa estava na metade e eu assisti até o fim. O castelhano do padre e a falta de um folheto só me permitiram responder em português.
Eu não ia à igreja de verdade desde os dezessete. Continuo não frequentando, mas estive ali e ouvi o que tinham a me dizer, e foi bom. No sermão o padre falava dos problemas e das dúvidas e dos infernos que enfrentamos todos; e falava da importância de estarmos próximos daqueles a quem amamos. "Devemos muita coisa aos que nos amam, porque nos ensinaram a viver como julgaram que seria melhor. E por isso sempre devemos estar perto deles, porque aqueles que nos amam nos deram muita vida".
Estou há dois meses e meio longe de casa. Longe dos meus pais, dos meus irmãos, dos meus amigos e dos meus amigos-irmãos. Estou há dois meses e meio longe de tudo e, ainda assim, cada dia mais perto de mim.
Talvez estar ilhada de tudo que me é confortável e que eu conheço da vida inteira me faça sentir mais inteira. Talvez estar sozinha me faça dividir mais minhas impressões com os outros, ainda que não sejam meus ouvidos de sempre.
Justo eu, que sempre amei a solidão por achar que não me encaixava em lugar nenhum do mundo, e que por isso me fechava para ele e me escondia, agora estou tão sozinha que consigo deixar que o mundo me veja, e deixar que o mundo goste de mim, e deixar que alguém me abrace e ultrapasse os limites da minha margem de segurança. Acho que encontrei minha cura.
Eu sinto falta, claro, de fazer parte das conversas de domingo e de ter quem convidar pra almoçar no meio de uma semana chata e cansada. Mas acontece que a solidão forçada desses dias de inverno lá fora traz aqui pra dentro uma espécie de primavera, que deve ser a sensação boa de finalmente estar onde tenho que estar.
Eu duvido todo dia, eu tropeço todo dia. Todo dia eu tenho medo, eu tenho saudade, eu quero voltar. Todo dia eu desisto e começo do zero e tento manter minhas muralhas no lugar e, sabendo que não consigo mais, todo dia eu me inundo das coisas que temia e resolvo não duvidar daquelas em que sempre acreditei.
Solidão para curar meu vício em solidão.
Antídoto a partir do próprio veneno.
Já sou quase humana de novo.