quinta-feira, 26 de abril de 2012

O quase e o que foi melhor porque deu errado

As coisas começaram a dar errado pra gente no meu segundo ano de faculdade - o que é chato, porque foi justamente quando elas começaram a dar certo pra gente.
Nos encontramos só duas vezes antes de ele deixar o que tinha e eu deixar o que tinha e foi assim que duramos duas semanas.
Jantamos em um lugar bacana com um casal de amigos meus, ele trocou o chuveiro do meu apartamento com mais três caras e nenhuma ideia de como se fazia isso, dividimos cigarros e conversas e garrafas de vinho em algumas madrugadas. Até que ele achou que o que tinha antes afinal era melhor e voltou atrás, depois de um sábado no cinema.
Quem me explicou porque ele não ligava nem aparecia depois de tudo foi uma amiga - e então eu aprendi que não posso obrigar ninguém a ficar comigo, mesmo que seja ótimo e bonito e mesmo que pareça a melhor coisa a se fazer.
Minha única reação, enquanto fazia a unha sentada no banquinho alto da sala, foi dizer: "Vou ficar bem logo, mas agora to confusa e tá doendo. Agora não me obrigue a entender."
Ele foi a coisa mais intensa que já me aconteceu. Enlouqueci e me curei depressa demais. Guardo com carinho aquelas duas semanas.
Eram coisas demais pra digerir e, embora eu tivesse engolido toda aquela areia sem uma gota d'água sem reclamar, levamos um ano e meio para voltar a conversar. Fingir de perto é bem mais difícil. O dono do bar perguntou: "É sua namorada?" - ele respondeu: "Era pra ser..." - e eu nunca mais esqueci a metade de um sorriso e a piscada que me dirigiu no fim da frase.
Em um universo ideal seríamos melhores amigos, a gente se sabe muito bem, tem visões bem parecidas do mundo e a mesma maneira de falar bobagem fazendo parecer a coisa mais relevante do universo. Pena que estragamos tudo antes.
Eu nunca tive vergonha de falar dele ou apresentá-lo pra quem quer que fosse. Uma vez ele até jantou comigo, minha mãe e meu padrasto e eu avisei antes: "Ele é esquisito", mas minha mãe adorou e achou que nós éramos tão parecidos, enquanto a gente já nem tinha ilusão de ter nada mais... eu sempre amei o nome de perfume, os papos sem sentido e o gosto musical incrível e sempre corei um pouco com o jeito dele dizer que me curte me chamando de "hot". Justo eu, que tenho 1,62m e conservo o mesmo corpo de quando tinha treze anos. Fora meu avô ele é a única pessoa que me chama de Carolina e eu não fico achando que fiz besteira. A gente já nem se fala tanto e mesmo assim ficou o maior carinho... dizem que é o mesmo carinho exato que ele tem por mim.
A gente já pode falar dos relacionamentos tortos que anda tendo por aí, cada um na sua, sem medo de machucar o outro. A gente já consegue sair e tomar um suco no shopping sem que nada aconteça. A gente já se convida pra eventos particulares sem que haja intenção. A gente cresceu muito desde o meu segundo ano de faculdade. Que bom.
Olha, definitivamente não sou aquela que te mandou mensagem dizendo que te amava depois do carnaval, até porque foi você mesmo quem me ensinou que paixões avassaladoras nem sempre são pra durar. Não deu tempo de amar você mas eu amo muito como a gente se ajeitou na vida um do outro, no final. E admiro sem fim o adulto interessantemente non-sense que você se tornou. Então as coisas passaram voando e meus dezessete se foram há tempos, junto com a minha ingenuidade. Você se cuida daí que eu me cuido daqui e a gente se encontra com mais meia dúzia pra rir do passado e tomar uma cerveja, quando der. Tudo isso não era declaração, nem carta, nem nada - e você entende, eu sei. Você sempre entende. Não tinha que ser como a gente queria só pra ser muito melhor, no final. Tudo isso era só pra você saber.

terça-feira, 10 de abril de 2012

Uma semana e meia

Era a terceira garrafa d'água e o nó não descia pela garganta. Eu nunca resisto ao cheiro de problema, aí fica tudo complicado e difícil de desenrolar. Eu sempre insisto pra poder reclamar pra sempre do mundo.
Isso desde que o telefone não tocou e tive que discar eu mesma. Daí chocolate em cima da mesa, 500 filmes e nenhum no DVD, as fotos de tudo do passado e como eu voltei a ter doze anos de repente.
Tem gente que entra em casa e quer permissão pra sentar no sofá, pra olhar o quadro da parede, pra tomar água... e isso é tão incolor, inodoro, insípido e absurdo porque tem gente que entra e tira o sapato e senta na cama e escolhe o filme e quer ver e ler e saber e até tira a camisa quando sente calor sem, no entanto, parecer agressivo, como se tudo aquilo tivesse sempre sido natural e sempre existido. Uma invasão sem choque.
Por isso, mesmo depois das três garrafas d'água, já fazia mais de uma semana e a vontade de sair correndo não vinha. No lugar disso olhar o telefone "toca, toca, por favor, toca... toca pra eu não ser obrigada a me impedir de fazer primeiro".
Não vou ligar porque você disse. Eu só falo besteira, pode ligar, liga sim, liga sempre. Mas tudo que você escreveu a vida toda... isso era sobre o que? Girassóis. Mas parece tanto que era um amor enorme e infinito, e o outro? O outro era ficção científica. Sei não... e aquele? Licença poética, inspirado numa amiga. E esse? Esse escrevi pro meu pai. Tem certeza? Tenho, querido, tenho certeza, começou tudo agora. Minha vida é uma página inteira em branco, eu nunca escrevi nada de ninguém nem vou nunca mais. Mas se você disse que nunca antes. Eu sou louca, não liga. Não é pra ligar? É! Não liga só pra minha loucura. Você não parece louca, mas escreve sobre todo mundo. Então eu vou lá e escrevo sobre você, quer? Quero.
Mesmo sabendo que eu poderia falar bem mal, porque até o que é bom pra mim é ruim, tudo ficou doce como os três bombons me olhando de cima da escrivaninha, enquanto eu enlouquecia por conta da vasta lista de fatores contrários.
Esquece isso, a gente pode morrer amanhã. Não. Não assim, não com o cheiro que tem atrás do teu pescoço e com o meio-fio que é insuficiente pra mim. Amanhã eu vou acordar e colocar a blusa que usei hoje e o cheiro de trás do teu pescoço vai estar lá ainda, de modo que não vai dar pra morrer amanhã de jeito nenhum.
E aí você ri porque a minha ansiedade do futuro engole metade e meia do meu presente. Eu tenho medo porque gosto e eu mesma nunca gosto quando gostam, então sei que seu próximo passo é desistir, porque seria o meu próximo passo, se eu fosse você. É a impressão que você tem? É, parece que você inverteu meu cérebro. Mas não to correndo. Isso, não corre ainda, eu to te avisando porque tenho a mania imbecil de achar que é minha obrigação, não é que eu queira te assustar, entende?
E tenta entender também que é muito difícil eu ser assim como tenho sido. Não é minha essa coisa de responder ou mesmo mandar. Eu sei que está tudo muito à beira do abismo do resto da tua vida e até da minha, mas tenta gostar de mim mesmo assim. A gente não tem nada a ver um com o outro mas eu preciso que você goste de mim só um pouco, só mais cinco minutos. Quando você descobrir o que tá perdendo com isso eu prometo que não vou chorar ou ficar mais louca e até prometo deixar você ir, mas não corra antes, por favor, passe aqui de vez em quando, traga bombom ou só tuas orelhas e o olho castanho mais diferente do mundo. Fica um pouquinho mais.
Só hoje já foram três garrafas d'água e dois comprimidos, fora tudo mais que eu ingeri em todo o resto da minha vida, mas doses de coisas boas como você são as primeiras que tomo em anos.

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Assalto

A gente tenta entender as diferenças sociais e o querer não satisfeito de roupas e aparelhos e fins de semana em família. A gente tenta entender a frustração de muitas vontades e muitos sonhos e entende que é tudo uma droga mesmo e que o tamanho dos problemas deles nem se compara ao tamanho dos problemas da gente. A gente tenta entender que eles queiram respeito, que queiram muito mais do que a vida inteira puderam ter, que queiram coisas que nem todo o dinheiro do mundo poderia comprar. A gente tenta entender as consequências sem tamanho de uma infância roubada pela sociedade, pelos próprios pais, pela violência.
A gente se esforça pra entender muita coisa, entende que esse imenso abismo social que os mantém afastados da gente é uma questão histórica e complexa e que junto com isso vem uma porção de universos menores e obscuros que a gente desconhece e até agradece por desconhecer. A gente tenta entender, também, porque a gente sabe que não tem culpa mas dá a própria bênção pra isso todos os dias, com nosso silêncio complacente.
Acontece que do lado de cá também tem gente. E tinha, de fato, quatro caras pensando na aula da manhã seguinte, pelo menos dois deles pensando no emprego dos fins de semana. Nenhum desses quatro caras conseguiu o que tem de graça ou sem esforço. A sorte, maior pra eles que pros outros, é claro, se encarregou de colocá-los em famílias mais ou menos estruturadas - e só. Daí pra frente cada um precisou encontrar a melhor forma de fazer as coisas darem certo. As oportunidades de desvio foram muitas, como para os outros.
A gente pode tentar, mas nunca vai entender os trinta segundos que separam o jogo na TV do terror dentro de casa, do susto, do tremor, do medo.
A gente nunca vai entender a arma apontada, a gente nunca vai entender essa coragem que, pra existir, precisa ameaçar. A gente pode entender todo o enredo que culminou ali, mas nunca, nunca vai entender o segundo e meio em que alguém decide entrar numa casa com uma arma, render quatro jovens, amarrá-los no banheiro, ameaçar e levar consigo tudo que encontrar, usando a adrenalina pra tentar aliviar o que nem drogas nem luta foram capazes sozinhas. A gente tenta entender que ali o encontro era entre quatro caras que puderam planejar suas vidas e outros quatro que a vida discriminou o tempo todo, mas pra gente - ou antes pra mim - ser bom ou mau continua sendo uma escolha, não uma consequência.
E então trocar as fechaduras da casa, vender o carro deixado pra trás, mudar pra um apartamento, trancar um pouco mais a própria existência e esperar que passe a sensação de que somos todos muito frágeis e vulneráveis.
O pior da violência não é o que ela leva, mas o que deixa.