sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Começos

O rádio toca músicas que ele não gosta mas será obrigado a ouvir porque eu gosto e hoje eu sou o rapaz aqui. É boa essa coisa de mulher bem resolvida que sinto antes de a gente se encontrar. Eu o vejo e rio; não sinto faltar o ar mas o coração dá um pulinho e isso faz cócegas, que é coisa que eu não sinto há anos. As cócegas de expectativa, que deixaram de existir pra mim porque aprendi a não esperar nada de ninguém, as cócegas de expectativa que pra mim passaram a ser náusea do pior que uma pessoa pode me dar. Dou risada porque ele me faz sentir cócegas de um jeito bom e nem isso eu esperava. Nem isso nem a forma quase patética como topo mesmo seus elogios mais bobos, sei lá... ele me vira de mulher bem resolvida a mocinha de quatorze anos absolutamente deslumbrada pela doçura.
Nunca vai dar certo e ambos sabemos disso, mas é bom insistir nos começos, evitando os finais e todo o resto do podre que vem quando a discussão deixa de ser apenas pelas músicas do rádio. Ele tem cheiro de abracinho durante o filme. A força comedida que usa pro aperto na cintura em forma de oi que tira esse ar infantil só ajuda pra que eu goste mais. Eu tenho cheiro de encrenca. Não vai dar em nada, no fim, mas certas coisas são importantes ainda que não tenham futuro.
Não é nada demais, ninguém pega a estrada e dirige até o outro dia de manhã em direção ao mar, ninguém morre de amores ou se declara perdidamente apaixonado, ninguém se casa e vive feliz pra sempre e é isso que faz com que os começos funcionem. Eu quero só começar pra sempre.
Enquanto ele termina de resolver o necessário e depois vai pra casa dormir até tarde do outro dia eu me pergunto até que horas consigo. O carro dá milhões de voltas porque eu sei que, se soltar o volante, pego o celular. Acabou a brincadeira de ser o mocinho, mocinhos não ligam e eu preciso ligar. Eu quero desesperadamente voltar a ser a mocinha deslumbrada pra poder ligar. A senhora atravessando a rua, o menino dando tchau no banco de trás do carro da frente, o cachorro latindo em algum lugar, a cidade inteira quer que eu ligue. Paro no sinaleiro e aperto com mais força o volante com a mão esquerda, enquanto a direita procura desesperadamente outra música qualquer só pra evitar que a ligeira mordida no lábio inferior se transforme em sangue. Eu preciso ligar; mesmo um "não posso falar agora" salvaria meu dia e minha boca e minha alma.
Canto uns pedaços de refrões que conseguem escapar pelos dentes entreabertos e a língua que toca o céu da boca, num quase beijo que se perde sem encontrar dono. As palavras saem mastigadas na melodia, o que torna minha última esperança ridiculamente medíocre, mas ainda assim válida até que eu possa ir pra casa salva dos meus perigos.
O rádio toca músicas que ele não gosta mas ele nem liga, ele ri. Eu olho o teto do quarto e me sussurro um parabéns, eu resisti mas nem tanto. Ele é mais uma coisa maluca no meio de todas as coisas malucas da minha vida, mas eu não me preocupo, porque mesmo maluco é bem fácil. A única coisa difícil com ele é manter apenas os começos.