segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Os iludidos

Eles todos parecem espertos, simpáticos e educados. Esse se formou um dia desses e olha só, já tem e faz e trabalha pro fulano de quem eu nunca ouvi falar mas tem um nome desses de gente que ganha dinheiro e dá bastante dinheiro pra quem ajuda também. O outro porque se criou com o pai e agora já pode continuar as coisas por si só, mesmo que não tenha muita certeza se quer isso ou viajar pra lugares inóspitos e tem o outro, que estudou e agora tá tentando, tá se esforçando e é tão espontâneo rindo e se expressando e tudo mais. Todo mundo adora, ri e telefona e que figura você é, eles todos parecem ótimos, geniais, queridos e bem merecedores da minha atenção e do meu tempo. Eles todos parecem muito com o genro que minha mãe queria ter, eles todos são rapazes que ligam no dia seguinte, enquanto eu sou a mocinha louca que mastiga o terceiro pedaço seguido de carne e não atende o telefone.
O drama maior da minha existência é que eu tenho uma preguiça enorme de me enfiar em relacionamentos a qualquer nível. Todo o sentimento cuspido e as festinhas juntos e presentes e saídas de casal, depois as discussões, as explicações e as pazes pra depois tudo de novo e me enfiar em um pacote de Sonho de Valsa e os status das redes sociais pra depois nada e voltar às minhas noites de piada com quem eu sei que tá sempre ali, de verdade, então pra que? Pra que, se eu nem choro no final?
É difícil de explicar, porque eu sempre odeio tudo em mim mas gosto dessa parte de mim mesma na sexta à noite bem tranquila rindo e tomando Coca em frente à TV. Consigo ser tão especial e gostar tanto de mim, de vez em quando, que seria bem injusto comigo querer que alguém fizesse parte disso. E seria bem injusto com todos esses caras tão ótimos porque, no segundo seguinte, eu volto a ser a escrota que ignora convites e desacredita de histórias lindas.
Assim meu melhor amigo pode continuar tentando me arrastar para os programas em que eu sempre encontro mais um futuro-ex-alguma coisa para, na semana seguinte, odiar tudo de novo e ficar enchendo porque o mais novo perfeito é tão querido e tão inteligente e tão a minha cara, mas tão a minha cara, que eu prefiro deixar pra lá. Não vale a pena desperdiçar uma quase história tão bacana assim.
Eles todos são sinceros e gostariam mesmo, mas só no primeiro mês, até caírem na real de que eu apenas sou louca de outro jeito. Não dá pra esperar um príncipe sendo o tipo de pessoa que eu sou. Esse trairia, o outro diria coisas que na verdade não pensa, o outro se anularia porque morre de medo de ficar sozinho, o outro criticaria demais, o outro se esconderia atrás da própria sinceridade e, como eu sempre acabo mentindo além do necessário, no fim teria parte da culpa também. É isso, o mundo é feio, eu não presto cem por cento e coisas de amor não são assim tão frequentes quanto eles todos fazem parecer e gostam de acreditar.
Eles todos estão convencidos de que até fazem porque são homens e tudo mais, mas só porque ainda não encontraram aquela que é diferente e que vai fazer seus cérebros deixarem de feder a podre e de pensar em todas as outras possibilidades do universo fora de uma relação estável. Enrolação pessoal. No fundo eles todos sabem que a única coisa que muda é a chata para quem eles inventam do outro lado da linha.
Eles todos têm ótimas referências para possíveis candidatas. Fizeram tudo na vida justamente para isso. Eles todos acreditam mesmo no amor, eu é que não. Deus me livre de ser a chata.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Em tempo

O celular toca, minha mãe avisa que meu avô vem almoçar no sábado. Há anos ele não vem almoçar no sábado, nem na sexta ou qualquer dia. Há anos ele simplesmente não. Não está, não liga, não vem, não fala, não dá notícia, não se importa. Há anos deixamos de nos importar também.
Mas eu tenho vontade de dizer umas coisas, sabe... olha, vô, eu gosto de um pouco de rock mas também amo MPB; e essa cicatriz aqui eu ganhei quando caí no banheiro depois do banho porque um idiota qualquer me deixou com a cabeça meio lenta; eu me formei mas nem gosto muito do curso que fiz; eu gosto mesmo é de escrever e tem gente que diz que escrevo até bem; meu gênio é igualzinho ao da minha mãe; eu sofro um monte porque fiquei velha cedo demais; só como bolo se for de chocolate e um dia vou perder o estômago de tanto tomar Coca-cola; meio que desanimei de beber e agora não bebo mesmo quase nada; às vezes eu rezo um pouco mas é tão pouco que a essa altura não tenho nenhum crédito com deus. Só que eu acredito, sabe... que existe uma porção de coisas boas esperando em algum lugar, na evolução das almas e que há alguém olhando todo esse absurdo do mundo e cuidando. Eu sei que to falando rápido e muito, mas é que são vinte e três anos, tente entender.
Quando meus pais se separaram e o pânico era horrível, fui parar no hospital um montão de vezes, eu achava que ia morrer, não é ridículo? Tinha bastante gente que estava comigo, vô. Vários amigos, meus irmãos, minha vó. Foi difícil pra burro mas olha a gente aqui e já se vão oito anos. Eu sou bem querida por um bocado de gente, embora meu jeito estourado tenha me proporcionado uns desafetos também. Não acerto meus relacionamentos e ainda to tentando acertar minha carreira, mas melhorei muito de um tempo pra cá. Dá pra notar né, mãe? Né, vó? Né, tia? Elas viram, elas estavam aqui todo esse tempo. E você?
Porque minhas lembranças de você se resumem ao doce de leite que você trazia do laticínio a toneladas quando eu era bem novinha, um tênis cinza que eu usei um monte e as vezes em que pediu pra me ver tocando teclado. Eu também não sei nada de você, não é chato? Eu queria poder te dar presente de aniversário, ligar pra contar as novidades, pedir tua opinião.
Tá lá, vô, na fita do meu aniversário de um ano, a gente não se desgrudava, minha mãe diz que você era louco por mim e então?
Então nada, você é uma pessoa à parte do resto da minha vida. Não temos uma foto juntos desde que eu tinha, sei lá, oito anos. Meu outro avô morreu, você sabe, e mesmo assim minhas fotos com ele vão bem além disso.
Eu não tenho nenhuma raiva de você, eu senti tua falta a vida toda, a gente se encontra e nem tem assunto de tanto que se desconhece e isso é bem triste, mas no fundo que bom que você veio almoçar com a gente. Você é bem importante pra mim, se quer saber. Um dia talvez eu até consiga te explicar tudo isso.
Minha vida é bem estranha e a tendência é que caras legais e importantes sumam dela, assim como você. Pra ser sincera já me acostumei e nem ligo muito mas é que, de todos os caras legais e importantes que desapareceram, você é o único que eu sempre quis ter de volta.