sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Pedaços

Lá se foi meu cabelo.
Eu fiquei tantos anos esperando que ele batesse no quadril, tantos anos planejando o que eu faria quando ele fosse enorme mesmo. E quando chegou eu fui lá e cortei. E cortei um monte de coisas e até pessoas.
Aí quando tirei as raízes de tudo e clareei o cabelo e até a alma, resolvi plantar coisas novas... que agora crescem também, e vão tomando suas próprias formas a cada dia. É bom.
E meu pescoço anda tomando mais sol também. Eu inteira ando tomando mais sol. E nem estou detestando tanto assim. Acho que, de repente, pode ser sintoma disso que falam que acontece quando você sabe que tem andado pelo caminho certo.
E eu acho que tenho feito isso mesmo, por mais que isso me soe dizer que poxa, eu sei onde estou e isso é estranhíssimo pra uma pessoa que mal aprendeu o próprio nome até hoje.
Aquelas ânsias de que eu sempre falo têm sido mais amenas - quer dizer, elas não passaram, mas agora me dão por outros motivos, que são até bons, no fundo - e nem estou abafando tantos gritos quanto fiz a vida toda. A respiração também está falhando menos.
Depois que eu fui lá e cortei as pontas duplas do meu cabelo, a vida foi lá e cortou as pontas duplas das minhas escolhas, o que quer dizer que finalmente consigo ver algumas certezas se aproximando, mesmo que ainda não possa agarrá-las.
Ninguém se surpreende quando eu digo pra onde vou. Ninguém ri e nem acha maluco.
Acho engraçado, porque eu mesma acho maluco demais, mas sei lá... de repente eu nem estou mais tão fora da realidade assim e o mundo é mesmo bem mais maluco que eu.
No fundo, todo mundo sempre soube.
E eu, mesmo achando maluco, nunca estive tão segura de outra coisa na vida! No fundo, eu sempre soube mais que todo mundo. No fundo, eu sei dos bons ventos que me levam e pra onde eles me levam.
Eu já saí do meu emprego, já fiz minha lista de bagagem, já tenho os documentos todos e máquina fotográfica e vontade e já até chorei também.
Falta tão pouco pra tudo que eu queria que eu nem sei se choro mais ou me belisco.
E isso é bom, embora eu saiba de todas as renúncias embutidas nessa coisa toda, embora eu entenda de todos os pedaços meus que estão ficando pra trás.
É que sinto de algum jeito que isso tudo é pra pegar o melhor deles.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Já antes

Eu sinto saudade de você, sabe?!
Saudade quando a gente não se fala. Saudade quando acontece uma coisa muito sem cabimento de alegria ou de tristeza e você não está do meu lado. Saudade quando eu quero te mostrar a roupa nova que eu comprei ou o bolo novo que aprendi a fazer.
É saudade de saudade mesmo. Daquelas que esmagam o coração e parece que a gente vai chorar só de pensar. Parece saudade de verdade mesmo.
É saudade dos toques, dos cheiros, das nossas risadas. Saudade de te abraçar ao chegar em casa, de rir no teu peito das besteiras que a gente fala, saudade de me arrumar enquanto você me espera pra sair, de estourar pipoca pra hora do jogo, de te fazer massagem pra dor nas costas, de acordar sem tem dormido.
Eu sinto saudade de você.
E não vou dizer que não é bem estranho. Saudade a gente sente de coisas que a gente teve. E o que não? E de você?
Eu sinto saudade de você, como se fosse algo que tivesse sido meu e não é mais.
Ontem eu estava deitada, sabe, me concentrando na respiração pra dormir como aprendi a fazer sozinha pra não perder horas e horas de sono toda noite. E aí eu fico muito quieta pensando no ar que entra e sai do meu nariz e é como se ele entorpecesse o resto de mim e eu presto tanta atenção nele que é sempre nessa parte que eu durmo.
Mas aí ontem você estava lá. Ficava rindo do quanto eu sou estranha às vezes e do meu dedinho do pé cruzado pra me salvar de alguma coisa. Ficava falando bobagem pra eu dar risada e aí tirar sarro porque minha risada é escandalosa. Ficava me fazendo carinho no cabelo e explicando porque é que eu não tinha que ser tão ansiosa e nervosa e maluca. Você é leve mesmo.
E aí me deu tanta saudade... e não dava pra dormir com aquilo tudo, eu fico feliz demais com essa saudade toda, acorda muita coisa que eu tinha esquecido como era e aí é que eu não durmo.
Hoje eu acordei com o rosto inchado de um choro que eu não tive durante a noite. Eu não dormi e nem chorei, fiquei olhando pela janela e pensando em como a nossa saudade é a pior e a melhor do mundo todo. Eu acordei com o rosto inchado de sorrir demais.
Eu me acostumei com a sua presença nos meus dias e nas minhas noites.
Eu nunca vou te perguntar onde você estava. Eu fico muito feliz quando é aqui que você está. Eu sinto saudade e é uma saudade de coisas que ainda serão. Você me disse isso um dia e eu entendi na mesma hora que era isso essa coisa que eu sinto.
Eu fico comendo e trabalhando feito louca e me afogando em Coca-Cola e achando tudo lindo e depois tudo feio, eu fico pensando e falando e achando que to ficando louca mas, no fundo mesmo, é só saudade de você.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Verdades

Vieram me perguntar, como sempre faziam, o que é que deu no fim das contas. E eu tive que responder, leve e sorridente e certa que, no fim das contas, não deu nada.
Levei um susto mesmo, com a minha resposta, e fiquei até pensando onde raios foi parar aquilo tudo... mas a minha alma só sorriu pra mim como quem diz "bobinha".
Eu sorri pra ela de volta. Sou bobinha mesmo.
Disseram que disseram que eu disse qualquer coisa. Eu ouvi, abaixei a cabeça e respondi: "acreditem no que se parecer mais com o que vocês pensam".
"Mas é verdade?" - Eu só sorri, sem responder. Pouco importa que não fosse, pensem o que quiserem. Todo mundo é livre e não sou eu que vou mentir nem desmentir nada nem ninguém. Deixa acharem isso ou aquilo.
Depois disseram que alguém disse que ouviu dizer e viu e tinha como provar e coisa e tal, mas sabe... e daí? Não ia adiantar eu ficar falando o contrário, então só disse: "bem, cada um tem suas verdades, né..."
E é isso aí mesmo. Foi. Ninguém tem que ficar falando ou perguntando ou querendo saber, chega. Quem quiser se ocupar de contar as histórias, que tenha sorte. Cada um tem suas verdades, mesmo, e não adianta eu ficar debatendo e discutindo. Quem pergunta normalmente é porque já formou sua opinião. E como as verdades são objetos individuais, cada um sabe como é que prova a sua e, quem quiser provar, tudo bem.
Eu cansei de me deixar julgar e acreditar no que dizem de mim mesma. Eu me conheço bem demais pra aceitar outro juiz além de mim.
E daí se quiserem falar? E daí se quiserem bater? E daí se quiserem achar e concluir e pensar seja lá o que for?
Eu tenho a mim e não me interessa que alguém pense ou saiba ou tenha ouvido ou consiga provar outra coisa, eu sei muito bem qual é a minha verdade.
Ela é simples, pura, exata, leve...
E daí se quiserem achar outra coisa?

sábado, 30 de outubro de 2010

Chuva

Choveu o dia todo, não tem mais nenhuma poeira na rua que possa voar com o vento e parar no meu quarto. Só você.
E eu, que fico todo o tempo pedindo, todo o tempo rezando, todo o tempo com a garganta entalada com todo o ar que tem em volta.
Eu fico torcendo, por favor, goste de mim. Goste de mim só um pouquinho.
Eu fico tão bonitinha quando estou brincando de ser feliz, olha só. E todo mundo me acha tão inteligente e tão capaz e tão mais que tudo isso e eu nem consigo suportar a ideia de ser outra pessoa, eu sou tão eu, mesmo achando meu pescoço feio e não gostando do meu pé e querendo um pouco mais de peito e menos de cintura, mesmo tentando o tempo todo me equilibrar nesse mundo que não é o meu e sabendo que eu não caibo aqui e fazendo um esforço imenso pra fingir que são normais as coisas que eu penso e falo e sinto e gosto e mesmo não conseguindo explicar pra ninguém todo o buraco na alma que eu tenho e não fecha, mesmo assim eu gosto tanto de mim que eu devo merecer que você goste também.
Eu passei o dia todo andando do quarto pra sala e da sala pro quarto, tentando achar uma posição em que minha cabeça doesse menos e o coração acelerasse um pouco. Não existe. Fiquei olhando a chuva pela janela tanto tempo, tanto tempo batendo com ela no vidro das janelas de casa, não consegui e tive que derrubar minhas chuvas também.
Minha cama está acostumada a ouvir os gritos que eu abafo nas almofadas quase toda noite e eu nem grito de verdade, é só pra não enlouquecer.
Se eu parar de gritar nas minhas almofadas vou acabar ouvindo todas gritarem comigo e vou ficar mais maluca que sempre, só pra provar que eu posso, eu posso ser ainda pior.
Ontem, quando tinha sol, eu vi uma mocinha saindo do carro com uma caixa na mão e na caixa tinha um laço de cetim e ela usava um vestido verde e uma sapatilha e tinha o cabelo tão loiro natural mesmo que fosse pintado. E ela estava com o cabelo preso e batendo no meio das costas e flutuava na ponta dos pés sorrindo porque levava uma caixa com um laço de cetim pra alguém. E eu nunca vou ser assim, entende?
Ela não precisa implorar atenção pra ninguém, tão linda, tão levinha, tão sem pelos nas pernas e pesos na cabeça, ela não precisa.
Enquanto eu olho meu pé e penso que preciso fazer a unha e me dá preguiça, e me dá desespero, e me dá uma coisa que se eu tivesse um jeito, se eu tivesse uma gotinha de esperança, se eu tivesse a coragem. E me dá ânsia de todas as coisas e falta o ar, por que é que eu sou tão nojenta comigo mesma? Por que é que eu não dou meia dúzia de gritos com as minhas almofadas e aí durmo sem ficar me jogando do terraço do prédio? Enquanto eu sinto isso tudo e sinto você, eu acho que eu podia ser tão legal com a gente.
Por favor, goste de mim, goste de mim só um pouquinho. Pouca gente se aguenta como eu me aguento e isso deve valer alguma coisa. Eu me suporto tanto, mesmo louca, mesmo tão pesada, mesmo assim.
Eu nunca vou ser a mocinha de vestido verde e caixa com laço de cetim, mas meu jeans velho e meu cabelo bagunçado queriam muito você por perto.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Esgotar

É preciso esgotar amores antigos.
Aqueles que parecem lindos somente pela impossibilidade de sobreviverem em um ambiente com condições normais de temperatura e pressão. Funcionam muito bem com dois personagens, mas esquecem as falas quando misturados às demais partes da peça.
E não dá, sabe?
Esses amores explosivos são muito loucos e muito lindos, mas não servem pra grande coisa.
São como um restinho de perfume... sempre fica algum no fundo do frasco e a gente vai deixando ali na prateleira, esperando o dia em que vai conseguir usar o final.
Só que não usa. A única função daquele frasco com duas gotas por usar é te fazer pensar como era bom o perfume que ficava ali dentro.
Você já até usa outros perfumes, mas fica sempre lembrando das duas gotas no frasco quase vazio.
E o que é que se faz? Nada. Não há o que fazer... esgotar o restinho de perfume do frasco não é função nossa. Só o sol batendo nele todo dia e o tempo passando uma hora depois da outra e o vento assobiando na janela mesmo.
Assim os amores. Vira e mexe fica a impressão de que não foi tudo, de que há ainda o que insistir, o que usar, o que sorrir das coisas que ficaram pra trás. Mas não há. Restos de sentimentos demoram a apodrecer, é assim mesmo. Depois que apodrecem, ainda assim, leva tempo até parar de incomodar aquele cheiro podre de raiva, mágoa e tristeza que fica ali.
Amores antigos e loucos e lindos levam tempo até morrerem de vez. Por muito tempo nos dão a impressão da possibilidade, por muito tempo nos trazem lembranças inventadas de coisas imaginadas que não foram, por muito tempo nos fazem pensar que era melhor antes.
Mas não era e justamente por isso não está mais.
Gostamos do que nos faz bem, nos apaixonamos pelo que encanta, mantemos vivo o que vale a pena. O resto é lembrança besta do que não existiu de verdade, o resto é sofrimento desnecessário, o resto é revirar o coração pra sentir que ele continua batendo. O resto é desfibrilador pra alma e só.
Até o dia em que acaba mesmo. Até o dia em que não sobra mágoa nem lágrima nem nada. Nada, nada, nada.
Até o dia em que você olha pro frasco e vê que o restinho de perfume finalmente evaporou.

P.S.: Aí se joga o frasco fora e se sorri.

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Nuvem

- Tá ouvindo?
- O que?
- Meu coração tá batendo esquisito.
- Esquisito como? Deixa ver...
Ela encostou a orelha no meu peito e ficou muito quieta. Dez segundos, vinte, vinte e três.
- Tá batendo igual ao meu.
- Não sei, tá estranho, acho que meu pulmão não tá acompanhando.
- Sei lá... pra mim tá normal. Ih, começou a chover...
- É. Será que eu vou morrer?
- Vai.
- ?
- Ué, um dia vai. Eu também vou. Vamos todos. Aliás, já estamos.
Eu sempre me assustava com o humor estranho que ela assumia de vez em quando. Nunca ia me acostumar aos mil jeitos que ela tinha de dizer, fazer e sentir as coisas.
- O que te deu?
- Nada, vontade de tomar banho de chuva.
- Mas tá frio.
- Aham. Por isso não vou. Posso pegar uma pneumonia e morrer.
Era pior do que eu pensava. Agora tinha encanado no assunto. Continuou:
- Se eu morresse agora, ia ser bem triste né?
- Não só agora...
- Mas agora mais, novinha assim. E nem fiz um monte de coisas que eu queria ainda. Nem que eu tivesse cem anos, acho...
Ficou num silêncio tão profundo que fiquei com vontade de nunca ter começado aquele assunto. Eu sentia falta da moleca alegre que ela era quando ficava desse jeito. Mudei o rumo.
- Já viu essa mancha que apareceu no teto?
- Onde?
- Aquela ali... parece um elefante, viu?
- Pra mim parece uma nuvem.
- Nuvem?
- Claro. É igual a uma nuvem.
- Não, menina... é um elefante, olha lá. De onde você tirou nuvem?
- É uma nuvem, mas em forma de elefante.
Olhou pra mim e sorriu. E eu sorri pra ela. Pouco importavam os batimentos, a vida era uma nuvem em forma de elefante.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Pra dizer oi

É claro que tem todo o resto que vem depois.
Mas antes disso tem o começo.
Tem que começar de algum jeito. Tem o primeiro beijo, o primeiro gesto, o primeiro abraço, o primeiro perfume, o primeiro sorriso. Tem o primeiro olhar.
E aí?
E a sensação de que a barriga caiu num buraco e o ar travou na garganta?
E a delícia do medo da imensidão de tudo isso?
E a perna travada no chão que não obedece à vontade de correr e tocar?
E os minutos travados no relógio do tempo todo em volta que faz durar o instante pra sempre?
E os olhares cruzados no meio do caminho que as pernas não fazem?
E o sorriso retido, tão lento e tão dominador de todo o resto?
E a demora da boca que não sabe se cala ou se grita?
E a revolta das mãos que se espremem tentando fazer acordar?
E os abraços suspensos no ar?
E o oi?
O oi, onde fica? Como é que se diz? Cadê as vogais? Como é que se junta? A voz sai por onde? Cadê a coragem? Como é que se faz?
É claro que tem todo o resto que vem depois.
Mas antes disso tem o começo vagando no espaço daquilo que chega na hora.
E fica pra sempre, como se sempre voltasse a acontecer e estivesse acontecendo agora, de novo e de novo...
E está.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Feliz

É bom isso de alegria.
Parece uma música saindo da alma da gente e dançando em volta de tudo, como casais que dançam valsa em uma festa black tie.
A gente começa a achar que é isso aí mesmo, um dia depois do outro, um dia a gente chega lá.
E não é? Não é assim que as coisas são o tempo todo?
Claro que tem dias que o céu tá escuro demais e o mundo parece um imenso clichê tipo um aeroporto lotado porque não tem teto.
Mas, na maior parte do tempo, não é que eu to sorrindo?!
Na maior parte do tempo, não é que dá pra aguentar sem perceber e viver sem notar?!
Trocar o lençol da cama que vai deixar de ser minha me dá uma felicidade tão plena que eu preciso sorrir.
Acordar passando mal tão cedinho pra ir trabalhar em uma coisa que me desgasta é tão engraçado que só sorrindo.
O banho na água do chuveiro queimado dói tanto na pele que olha... se eu não sorrir...
Sujar os dedos com mostarda não é bom demais?
Chutar a mesinha da sala não faz parte?
E quando a caneta falha, e quando a ligação cai, e quando o trânsito para, e quando o salto quebra, e quando se esquece a chave, e quando a noite é uma droga, e quando o banco tá lotado, e quando o tempo não passa, e quando não tem o shampoo que se quer, e quando a internet pifa, e quando o dinheiro acaba, e quando a sacola rasga, e quando se cai da escada, e quando se pega gripe, e quando se odeia a vizinha, e quando chove na hora de ir pra casa, e quando acaba a luz, e quando se fica em casa em plena sexta à noite, e quando se perde o fio da meada, não é engraçado? Não dá vontade de rir? Não é uma alegria só essa droga toda que a gente chama de vida?
É bom isso de alegria.
Qualquer avião no céu e piada cansada vira um filme.
Parece quando a gente acha a água do mar fria e depois que mergulha descobre que estava perfeita.
Parece que todos os medos da gente sumiram e a gente vai sorrir pra sempre, sempre, sempre.
Assusta, porque a gente tem medo de acabar.
E, porque dá medo, a gente fica esperando o fim, o céu escuro, o aeroporto lotado de gente cansada.
E, porque a gente espera o céu escuro, não consegue gostar do sol.
Mas se isso de alegria é tão bom, será que não vale a pena arriscar a chuva no final?

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Três

O carro deslizava pelas ruas tão decoradas que a gente tinha tempo de ficar lembrando e rindo e, sabe... tava tão bom!
Tinha Oasis tocando no rádio, vento quente entrando pela janela e uma porção de sorrisos e afetos desses que nasceram com a gente.

How many special people change?
How many lives are living strange?

A gente gritava um pouco, mas acompanhava a letra certinho. Eram os três ali. Nossas dores, nossas discussões, as partes tristes de um amor maior. E o desenho sábado de manhã, os campeonatos de Super Mario, as letras das músicas que a gente trocava, os brigadeiros que a gente marcava na padaria da esquina, as bandeiras estendidas na sala em dia de jogo, tudo. Era isso tudo ali, que nunca mais seria igual e por isso mesmo seria eterno.

Cause people believe that they're gonna get away for the summer!

A vida bem que tentou, jogou um pra cada lado do mundo, gostando de coisas iguais só às vezes. Mas sempre vai ter churrasco em casa, a grade do jardim de inverno que não sei como nunca caiu, chimarrão, as bexigas coloridas cheias d'água, cantar em viagem e mudar letras de músicas. Sem contar o amor maior do mundo.

But you and I, we live and die
The world's still spinning round
We don't know why
Why, why, WI-FI (pra não perder o costume)

*Deni e Nana, que me mostram sempre a dor e a delícia de não ser única.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Página 1

Abri os olhos.
A claridade excessiva do sábado de manhã fez arder minhas pupilas em processo de dilatação e tive que fechá-los de novo. Num meio segundo de um meio pensamento de lembrança que me ocorreu então.
De quando eu pensava sem poder sentir a língua tocando a minha e aí fechava os olhos e quase podia sentir só de pensar... era solitário, sem deixar de ser bom.
Depois mudou e ali, se eu esticasse o braço, sabia que ia acabar encontrando suas costas no caminho dos meus dedos. Mas ele tinha dormido tarde e eu não estava cabendo em mim só de lembrar de tudo aquilo. Nunca mais longe, era uma promessa, mas precisei me levantar para conseguir respirar normalmente.
O chão gelado encontrou meus pés e senti um tremor percorrer meu corpo, a partir do tornozelo e em direção à cervical. Bom sinal, eu ainda podia sentir o frio, eu ainda estava ali.
Caminhei em direção à porta e saí do quarto sem olhar para trás. Eu estava completamente decidida a não acordar ninguém e permaneci firme.
A sala já estava absurdamente clara àquela hora da manhã. Ali, entre o sofá e a janela, estavam todas as nossas escolhas de uma vida inteira. Não havia mais a falta no meio das almofadas coloridas, não havia mais noites vazias entre o quarto bagunçado e a cozinha cheirosa. Tínhamos preenchido tudo com dedicação e risadas e discussões e abraços e danças e toques.
E frases.
Olhei para elas. Na parede da sala, centenas de letras me olhavam. Cada uma estava lá por alguma razão especial; cada uma havia sido cuidadosamente escolhida para nos lembrar o que era mesmo essencial.
Bem no centro, grande, Clarice Lispector nos ditava a mais importante, aquela em que pautamos nossos dias todos, "Simplesmente eu sou eu. E você é você. É vasto, vai durar".
Pisquei, segurando uma lágrima que ameaçava escorrer, e sorri ao invés disso. Eu me lembrava perfeitamente bem do dia em que decidimos que aquela era nossa frase.
As cicatrizes todas que já carregávamos antes e ainda doíam apesar do tempo e do esquecimento e de tudo. Todas abertas frente a frente e a gente apontava: essa é daquela vez que... e essa outra foi quando...
E elas iam se fechando todo dia um pouco, entendendo que fariam sempre parte de nós, mas só como lembrança do nada assolador que nunca mais estaria, que nunca mais caberia.
Eu sendo eu. E ele sendo ele. Vasto, intenso, maluco e vai durar. Dura mais a cada dia.
Não conseguindo mais segurar meus pés, corri de volta para o quarto e pulei na cama.
-Eu sou eu - disse para sua orelha, num sussurro.
Ele se virou para mim, a claridade fazendo arder suas pupilas em processo de dilatação e brilhando seu sorriso de dentes ainda sem escovar.
-E eu sou eu - respondeu, me puxando para perto e me colocando no quentinho do seu antebraço esquerdo - é vasto.
-Vai durar.
Estávamos seguros. O mundo podia terminar de amanhecer.

domingo, 5 de setembro de 2010

Dentro

Morar dentro de mim.
É assim que eu me sinto, descobri.
E aí essas coisas todas de falar sozinha, cantarolar, chorar sem motivo aparente e o medo de cair de mim mesma que me dá ficaram perfeitamente compreensíveis.
As pessoas são criadas para fazer parte do mundo como ele é, então terminam a faculdade, arrumam um emprego e se encaixam nas fórmulas que o mundo tem. Pitágoras, Euler, Bhaskara, né? Lembro vagamente de algo assim, mas nunca aprendi as fórmulas, então talvez seja isso.
A droga da matemática que eu dispensei de propósito e, como não usei no vestibular, achei que não ia fazer diferença em mais nada na minha vida, é isso então?
Eu desaprendi de morar no mundo e resolvi morar dentro de mim.
Sabe, nem sempre a gente se cabe e nem sempre a gente se basta. Mas vai aprendendo a preencher os espaços que sobram com o que encontrar pelo caminho: tristezas antigas, saudades passadas, a esperança de amanhã, mania de comer pasta de dente, ficar repetindo aquela música o dia todo, cruzar os dedos dos pés pra dormir, cortar o cabelo, focar na respiração, dois minutos sem se movimentar com a cabeça completamente embaixo do chuveiro ouvindo só a água, manter as unhas feitas, lembrar do colégio e, sem perceber, o mundo dentro de você ficou imensamente limitado ao mundo dentro de você.
Não é triste, pelo contrário. É bom saber que se é parte da pequena porcentagem da população que aguenta o próprio peso. A maioria das pessoas simplesmente precisa das outras pra suportar dores e alegrias e todo o resto. É bom saber que se pode contar com a própria opinião, com a própria companhia, com a própria crítica, com o próprio colo. É bom saber que se pode sorrir para si. É bom saber que não se vai fraquejar só porque não há outra mão em que segurar.
É bom pensar que se pode ir ao cinema sozinho, tomar um café enquanto lê um livro sem tornar isso melancólico, sentar numa praça e respirar sem a impressão da falta espremendo tudo em volta.
Mas fica essa sensação de que vou cair de mim. Fica essa sensação de que em algum momento vou escorregar por algum lugar compreendido entre meu esôfago e meu diafragma e sumir para sempre.
Não é triste, pelo contrário. É bom saber que há uma saída de mim em algum lugar. É muito difícil encarar outras realidades quando a gente se acostuma com a nossa companhia segura, ainda que instável.
Mas eu não to nem aí pra isso, eu que me dane. A soma dos quadrados dos catetos é igual à hipotenusa, decora, vai. Decora como faz pra calcular os espaços todos entre as gentes que você ficou evitando e agora grita sem parar. Faz favor de aprender Bhaskara que você vai precisar. O mundo precisa de Bhaskara! Pesquisa lá como se divide os sentimentos pelo tempo que se tem e os corações que se emprestam, igual todo mundo faz. Joga no Google o tal do Euler e decora. Para, por favor, de ficar adiando isso tudo. Para, por favor, de se prender aos detalhes de você e esquecer do resto.
Por favor, por favor, por favor.
Se tudo isso for muito pra agora reaprende, pelo menos, como é que se anda de mãos dadas, como é que se compartilha o sofá no sábado à noite, como é que se recebe cafuné, como é que se pede ajuda com o chuveiro que não esquenta, como é que se conta como foi seu dia, como é que se divide o que você sente. E, por favor, se esforça pra sair daí. Morar dentro de mim é bom e foi importante, eu descobri muito mais coisas do que a maioria vai saber sobre si mesmo a vida inteira, mas eu não posso perder todo o resto de tudo então, por favor, colabora...
O grande problema de ficar sozinho não é a solidão, a falta de abraço, de companhia, de vozes, de uma mão pra segurar. Isso é totalmente suportável.
O grande problema de ficar sozinho é que a gente se acostuma. E isso sim, é triste de doer.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Ânsia

Vai parecer doentio. Já vou avisando antes que alguém me acuse.
Vai parecer doentio... e é, como aliás tudo em mim.
Eu tenho mesmo taquicardias e arritmias e descompassos nos batimentos e meu coração vem para a garganta e fica pulsando ali, como se fosse um vômito que nunca vai acontecer.
Eu insisto em não dizer nada e não vomito e fico ali, segurando uma vontade de correr não sei pra onde. Eu não vomito, eu nunca vomito essas coisas.
Alguém costumava me dizer pra por o dedo na garganta.
Mas minha ânsia não é assim. Não tenho ânsia de coisas vomitáveis. Não dá pra ficar por aí vomitando o que eu penso, sinto ou passo... vai ficando tudo aqui, vai sufocando, esmagando, como se eu tivesse engolido alguma coisa pelo lado errado da garganta.
Eu fico enjoada só de pensar, às vezes.
Minha ânsia é ânsia das coisas que podem dar errado. Muito forte, muito grande, me fazendo suar frio. Minha ânsia é dos medos todos de uma vida toda que eu carrego comigo, que me ensinaram a ter e que agora não consigo jogar fora e pensar que não é sempre assim. Minha ânsia é dos meus desejos que ficam mais insuportáveis a cada hora que passa. Minha ânsia é do dentista que eu tive que desmarcar de novo, do final de semana que não chega, do exame que eu tenho que fazer, da mala que eu preciso arrumar pra correr atrás de tudo um pouco mais. Minha ânsia é das pessoas que podem mudar de ideia a qualquer momento. Minha ânsia é de pensar em não gastar tudo assim, de uma vez, nessa ânsia maluca que me dá. Minha ânsia é de economizar um pouco mais de alma e minha ânsia é de saber que eu tenho que parar com isso. Minha ânsia é do passado que parece grande demais pra eu conseguir preencher. Minha ânsia é dessa alegria intensa e quente que de repente eu posso perder.
E, sinceramente, eu não tenho como vomitar uma coisa boa dessas!!!

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Rascunho

Não foi o fim de uma história de amor. Talvez tenha sido como um rascunho jogado no canto do quarto, afinal essa história nunca chegou a ser publicada.

......

Ela me falou um oi tão cheio de alegria que imediatamente meu coração congelou. Foi como se eu despertasse no meio daquela noite e ligasse pra ela, só pra falar que tinha sido muito bom sentir seu beijo.
Eu não imaginava que ela tinha encontrado aquele rascunho. Mas não podia fazer nada. Nos centramos em voltar a escrever aquela história. Desamassamos aquela folha amarelada pelo tempo, tiramos a poeira acumulada (porque ela não gosta muito de limpar o quarto) e começamos a dar continuidade na nossa história, nas nossas vidas. Ela escrevia, eu dava risada. Ela dava risada, eu dava risada porque não sabia escrever.
Ela nunca foi de fazer muitos planos, sempre fez mais o tipo "ou é ou não é", "agora ou nunca", assim de simples, assim de fácil, tão fácil como um sorriso seu, tão fácil como a capacidade de tirar um sorriso da minha boca.
De repente a brisa que entrava pela minha janela me fez ver que eu não estava sonhando, eu estava ali, acordado e falando com ela. Ela ali, eu aqui. Senti o sangue correndo disparado pelas veias, sem saber ao certo pra onde ir. Respirei, continuei respirando... pensei cretina, sorri, fechei os olhos, sonhei, despertei e era real.
Ela sempre quis anotar meus planos, eu sempre disse que não precisava, porque eu sabia de tudo nos mínimos detalhes; mas resolvi anotar eu mesmo, não quero correr o risco de voltar a dormir como naquela noite, a noite que seguia viva enquanto nós adormecíamos. Só espero que ela não esqueça de carregar nosso rascunho... assim poderemos escrever um pouco da nossa história do lado de cá...

*Este não é um texto de minha autoria, mas de um "congestionador" de ideias. A título de observação pessoal, só posso dizer que tem gente que escreve bem demais pra quem diz que não sabe escrever.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Menina

Eu ando pulando, assim, feito menina, pra ver se alguém me olha na rua e pensa "lá vai ela, tão certa dela". Porque efetivamente lá vou eu, tão certa de mim... Prestando atenção aos cheiros, sabores, prestando atenção às placas. Olhando as pessoas, ouvindo as conversas e guardando tudo aqui.
Lá vou eu, tão certa de mim, que não vejo problema em me misturar ao resto do mundo, não tenho medo de me perder. Lá vou eu, cantando, repassando um poema aos sussurros, contando o tic e o tac, pensando se vai chover.
Vou lá e aqui, pisando só no preto, apertando o passo, andando pela muretinha da igreja. Calculando as minhas escolhas. O que tem de tão difícil, afinal? É assim, é sempre assim... a gente tem que abrir mão de umas coisas se quiser outras. Não há problema. Eu to bem feliz com isso, tanto faz.
E esse calor que resolveu fazer? E esse frio que resolveu chegar? E esse cheiro de pipoca, meu deus, de onde vem? E aquele menino de bicicleta, vai virar na próxima esquina? E essa vontade de tomar suco de acerola no meio do dia?
Chegando em casa vou trocar de roupa, chegando em casa vou ligar pro meu vô, chegando em casa vou fazer bolo de chocolate, chegando em casa vou ouvir aquela música, chegando em casa vou escrever, chegando em casa vou tomar banho, deitar e dormir, chegando em casa vou fazer uma dancinha enquanto minha mãe vê TV pra ela rir um pouco no final de um dia cansado.
Preciso comprar minha passagem, pagar a fatura do cartão, reservar uma hora pras amigas da faculdade e dar um jeito nesse cabelo, pelamordedeus!
Então lá vou eu, tão certa de mim... tão feliz comigo, pulando assim, lembrando uns e outros detalhes, esquecendo umas decepções, tentando não pisar em falso.
Lá vou eu, feito menina, provando o mundo, experimentando a vida, testando o sapato novo.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

À tarde

Vem cá, pedaço de céu

e olha que doce virou

esse tempo todinho que a gente economizou.

Que bom esse beijo guardado

e esse jeito gargalhado que a gente tem.

Se tiver chuva ou vento ou calor, tudo bem.

A gente anda de mão dada, devagarinho

tomando sorvete

e rindo sozinho, juntinho.

E olha, amor, que gracinha

fica a sua mão na minha!

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Média

Rapazes não reparam em narizes. Nem em narizes, nem em olhos, nem em sorrisos. Em geral, rapazes reparam em peitos e bundas... e às vezes em barrigas.
Rapazes não se prendem a detalhes. Se a mulher é gostosa demais, detalhes como o nariz e os olhos juntos ou afastados demais passam batidos porque não prejudicam o conjunto. Se ela é feia demais também, porque aí eles não vão consertar nada.
E tem a mulher que é média. Às vezes acorda com o cabelo revoltado e fica feia... às vezes acerta uma roupa e a maquiagem e fica muito gostosa.
A mulher média precisa se virar pra se manter ali, na média. Ela sofre um pouco porque pode, a qualquer momento, descer uma categoria e se tornar uma mulher "acabadinha".
Mas as médias têm um truque, uma faceta, uma carta na manga: o poder de surpreender.
Porque mulheres gostosas demais tornam-se óbvias. Elas são gostosas, ponto. Todo mundo já sabe e não há roupa que coloquem que lhes tire o epíteto. Gostosas. De moletom ou de vestido vermelho curto. Todo mundo adivinha antes que elas estarão gostosas.
E as muito feias são caso perdido. Todo mundo já sabe que não adianta maquiagem e roupa cara, elas estarão sempre feias.
Já as médias... as médias lavam o rosto durante o banho; o rímel escorre e elas ficam parecendo pandas. As médias brigam com suas madeixas de manhã e andam na maior parte do tempo sem atrair a atenção alheia. As médias são aquelas mulheres que agarram suas panelas de brigadeiro e choram vendo filme meloso vestidas como andarilhas. São as mulheres médias que vão ao cinema sozinhas. São as mulheres médias que vão às compras pra afogar as mágoas. São as médias, também, que têm ataques histéricos no meio da rua porque o salto quebrou. Enfim, as mulheres médias são a grande maioria da população feminina e são aquelas absolutamente comuns, sem nada de extraordinário.
Mas aí, um dia, você conhece uma mulher média. E, porque precisam se destacar de alguma forma, as mulheres médias têm um papo legal, são bem humoradas, topam uma cerveja e costumam saber pelo menos o básico sobre futebol.
Acontece que as mulheres médias podem ficar muito gostosas, quando querem. E aí torna-se quase inevitável apaixonar-se por elas. As mulheres médias se mantêm na média porque sabem o momento certo de chamar a atenção. Porque sabem do potencial que possuem para serem gostosas, mas preferem convencer através dos olhos, narizes e sorrisos em que rapazes não reparam, a menos que você os obrigue.
Esforce-se para ser média. Mulheres gostosas demais tornam-se óbvias - e é pelas mulheres médias que homens legais se apaixonam.

*O texto acima é fruto de conversas sem fins lucrativos com a gostosérrima que atende por Jessica.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Ar

Eu fiz o que minha mãe pediu a vida toda: me mexi. Fui atrás das coisas que eu tinha vontade. Fui atrás das coisas que eu não tinha vontade, mas tinha que fazer. Eu tenho um emprego "na minha área", embora eu não saiba o que isso acrescenta. E arrumei mais dez mil coisas para fazer e tentar passar o dia que insiste em não passar, todo dia, e tentar ganhar mais alguma coisa - não que eu pense que mereça. Comecei os tratamentos de saúde que há anos adiava, mesmo com os remédios arrancando meu estômago pela boca. Resolvi tentar de novo dar um jeito no meu pé, mesmo sabendo que não vai adiantar, de novo. Cortei o cabelo que eu não aguentava mais tão comprido. Fui ao dentista, mesmo sabendo que ele ia dizer que eu tenho algumas cáries, um dente que devia ter sido corrigido, mordida cruzada, umas obturações pra fazer e que eu não tenho uma boa escovação.
É isso. Eu tenho 22 anos batendo à minha porta, cinco idiomas, um diploma universitário pra enfeitar a parede, um bocado de amigos pra quem ligar, uma habilidade estranha com palavras, uma família perfeita pros meus padrões, alguém maravilhoso em quem pensar, pra quem correr, um body branco lindo de morrer que me deixa com o corpo da Juliana Paes, um certo gosto pra moda, coragem pra encarar quem grita comigo, vontade de uma vida que eu possa chamar de minha, um celular com a tela trincada e os olhos verdes em dia de sol, mas não tenho uma boa escovação.
E o pior é que eu sei.
Tento corrigir minha escovação há anos, mas morro de preguiça.
Cá, não se trata da sua escovação ruim. É você, entende? Você é que estraga comendo um monte de besteira, você é que não se limita e acaba digerindo coisas que não te dizem respeito.
É que você sai de casa de manhã querendo atropelar as horas, e aí elas correm de você, até eu correria.
É que você acha que o bombom no meio da tarde vai matar a fome que você nem sente, e bombom nenhum conserta a vida, gata. Não é comendo bombom, nem paçoca, nem tomando milk shake de ovomaltine do Bob's que as pessoas dão jeito nos problemas. Ninguém nunca conseguiu afogar nada em um copo de milk shake, por mais absurdamente largo que seja o canudo do Bob's.
É você, entende?
É que você arruma dez mil coisas pra fazer mas continua pensando em uma única. É que você ainda busca uma forma de não pensar sem matar o seu coração de uma vez por todas. É que você ainda não encontrou esse jeito e não percebeu que seu coração não vai morrer, eu não vou mais deixar. É só você parar de teimar em não abrir o paraquedas pra chegar no chão mais rápido. Abre o paraquedas aí, Cá.
Olha que bonito esse campo bem aí embaixo dos seus pés. Olha lá no horizonte e tenta ver além, imagina o que é que há... olha aquele rio passando ali do lado, encheu com a chuva de ontem, viu? Sim, dá até vontade de chorar. Pode chorar, Cá. É bonito demais mesmo tudo isso! Dá saudade de tudo que é tipo e aí não cabe mesmo no peito e você vai mesmo explodir se não chorar. Chora sim. Mas para logo, pra dar tempo de reparar naquela floresta que tem ali adiante e sentir medo. Medo é importante pra gente saber onde cair. Vê lá, que o sol tá terminando de nascer e ainda tem o dia todo pra você cair. E ele só dura vinte e quatro horas, meu bem, ainda que pareça mais. Vira aí, olha a estrada que ficou lá atrás. Você nunca se importou de andar por ela e ela tem tanta coisa bonita... para de olhar pra baixo, o chão uma hora chega. Tem um monte de gente querendo te levar pra lá e pra cá, antes de você cair. Vai com eles. Vai ver de novo tudo o que você já viu, repara melhor, tem sempre alguma coisa nova... eu sei que você quer o chão logo, mas o chão não vai sair de lá e uma hora você chega nele.
Não precisa parar de pensar, Cá, só tenta ver com outros olhos. Não precisa melhorar sua escovação, não é esse o problema e não é isso que vai te impedir. Eu to sempre aqui com você e já já vou te segurar lá embaixo também.

Aí eu acordo e sorrio. O tempo é o mesmo, afinal, e eu não preciso ter pressa, só preciso respirar.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Um

Todo mundo que me conheça além de uma mesa de bar - e, muito provavelmente, quem só me conhece ali mesmo - já sabe que eu não sou adepta de uma religião ou uma banda ou um prato ou um relacionamento. Gosto de misturar as coisas.
Eu aviso logo de cara, porque assim as chances das pessoas se decepcionarem comigo são praticamente nulas. Eu ronco, não gosto de arrumar o quarto, choro demais na TPM, não vivo sem Coca-Cola, não sei fazer divisão com dois números na chave, corrijo erros de português, quase nunca tenho dinheiro, durmo feito uma mendiga, sou hiperativa, falo sozinha, vivo numa bolha à parte do mundo real, não fico com a unha por fazer, não tenho peitos gigantes, gosto de ficar sozinha, esqueço a maioria das coisas que tenho pra fazer, tenho ideias estúpidas, sou estúpida, corro atrás do que quero mas nem sempre sei o que é, gosto de perfumes caros e músicas antigas e palavras estranhas, falo bobagem demais, sou convencida de mim, não gosto muito de ser sexy, pulo na cama e dou cambalhotas às vezes pra lembrar como era a menina que eu era e tentar segurar um pouquinho dela na minha mão, não gosto do meu aniversário, cito Paulo Coelho a torto e a direito e em situações nem sempre cabíveis, jogo coisas embaixo da cama pra não ter que guardar e, como se isso tudo não fosse suficiente, tenho a raiz do cabelo ligeiramente oleosa e umas espinhas que insistem em permanecer. Todo mundo que já me viu em algum lugar sabe.
E sabe também que esse negócio dos relacionamentos que eu menciono toda vez é um jeito de dizer "não se aproxime, o risco de choque anafilático de mim é grande demais, você é uma gracinha e bem que podia querer morrer, mas não vai, acredite".
Mas o um ouviu tudo isso, muito mais de uma vez, e deu risada.
Quais as minhas chances?
O um deu risada porque ele é do meu mundo há tanto tempo, conhece tão bem as coisas que eu guardo na lembrança, e sempre achou que tinha algo a mais escondido e esquisito em mim, que um dia ele podia talvez querer pra ele pra sempre. Porque ele apoia as minhas vontades, acha lindo eu empilhar as palavras sem fim e nunca diz eu acho, que é recorrente demais no meu vocabulário. Esse cara que se diz feioso e magrelo, que cozinha com o amor maior do mundo, que me viu menina e me adora assim e que me vê agora e me adora mais, e que eu adoro cada dia mais, e que anda comigo de mãos dadas por aí, fazendo planos e fazendo eu achar lindo imaginar relacionamentos estáveis e duradouros, coisa que eu nunca faço e nem achava que existia, esse cara é igual pros outros, mas pra mim é diferente. Esse cara que acha engraçada essa coisa de eu dizer que tenho "30 desde os 16" e que é minha mãe que sempre diz isso, mas na verdade eu ouvi a mãe de alguém dizer isso da filha e achei legal e queria que fosse a minha que tivesse dito de mim. Esse cara que liga pra mãe dele a duzentos mil quilômetros e diz "mãe, vou casar com a Carol", assim, sem vergonha, e que daí fica tímido pra me contar. É louco, coitado, quer matar a mãe dele do coração e me matar de vergonha e me encher de "como eu vou olhar pra ela agora?", é louco. Ele quer me mostrar o mundo lindo dele e quer ver o meu mundo maluco.
Daí eu, que gosto das coisas do meu jeito, que não suporto quem se precipita, que até ontem ria dessa história de amor pra vida toda e agora passo os dias sonhando com a mão dele na minha pra sempre. Eu fui lá e apaguei a agenda do meu celular. Eu não quero as minhas opções. Eu quero só ficar com ele, dormir com ele, comer com ele, morar com ele, casar com ele. Ele com aquela barriga que eu nunca vi de verdade, e que eu fico medindo pra saber quantos beijos cabem e quanto tempo eu levaria até ele perder o fôlego. Ele com aquela mania dele de achar que tá falando tudo errado quando é comigo que ele fala, com aquela vontade que ele tem de ser perfeito sem saber que é mais. Ele com aquela certeza toda de que falta pouco e aquele jeito que ele tem de comemorar comigo e de falar sobre "fazer feliz" como se fosse a coisa mais importante do mundo pra ele, e me deixar sem saber o que responder e sem conseguir falar, quase igual um soco no estômago, mas de um jeito bom. Ele com aquela vontade que ele tem de uns 500 filhos e uma casa com uma cozinha grande e um casal de labradores e toda aquela utopia linda que eu pego emprestada pra mim e me acho no direito de me incluir e ele com aquela certeza de que eu nunca vou estar muito perto e mesmo assim ele quer. Ele com aquela compreensão de que eu vou ficar por aí mas no fim o que vou querer mesmo é chegar em casa de madrugada e acordá-lo e dar um beijo de boa noite e amanhecer junto. E eu quero isso sempre. Eu quero o "que gostoso" que ele diz quando acha uma coisa boa demais pra descrever. Eu quero aquela orelha na minha boca e aquele abraço quando um de nós voltar. Eu quero sentar no balcão enquanto ele faz o jantar e ficar falando um monte de bobagem até ele enjoar e dizer "prova isso, amor, vê se tá bom". Eu quero ligar pra mãe dele e contar que ela vai ser vovó no viva voz, pra gente poder falar ao mesmo tempo e ela ter um troço do outro lado da linha e gritar o pai dele "você nem acredita". Eu quero dizer pra ele que ele é o pai mais babão do mundo, o melhor cozinheiro, o noivo mais lindo. Que ele é chato porque fica com aquela cara de malandro quando eu to falando sério e que ele é um conquistador barato e que aquele jeito dele me olhar pode qualquer coisa.
Ele é um lindo, um querido, um bobo, um louco, um doce, um só. E só um cara no mundo podia ser assim pra mim.

Delicadeza



Sempre conta.
Só porque eu acordei com essa martelando. Mas Rod Stewart é pra ser ouvido inteiro.

terça-feira, 27 de julho de 2010

Posso?

E porque você resolveu falar de uma pessoa tão próxima de você, e já que você eu não tenho como tocar agora, aí me deu vontade de chegar mais perto dela.
Eu ri, ficou esquisito. Mas de repente me peguei tendo muitas conversas com ela no sábado à tarde, tomando sei lá um chá ou cerveja (ela bebe?). Porque você é tipo uma coisa que eu olho de longe e eu sei que estou chegando lá, mas ainda não consigo abraçar e ela é um jeito de eu te sentir mais. Mais próximo, mais tangível, mais concreto. Ela é um jeito de eu te sentir mais meu.
Aí eu fiquei pensando e isso tudo ia parecer tão idiota se eu te falasse de verdade, assim na cara, que resolvi falar tão indireto que eu nem sei se você vai entender. Ei, posso pegar emprestada pra mim? É só por um tempo, prometo; é só até eu poder te segurar aqui; é só pra eu ficar mais perto também, sei lá, acho que eu queria poder dizer que tenho que dividir meu tempo entre minhas coisas e as suas. Porque não vai acontecer isso, de repente me dei conta. Nosso tempo vai ser inteiro nosso, sem almoço de domingo, sem criança nascendo pra visitar, sem esses detalhes, eu acho, né? Meu tempo vai ser seu e seu tempo vai ser meu sem intervalos (tá, eu deixo você trabalhar, pode ir, dá só mais um beijinho aqui, bonitinho, não demora).
E aí fiquei pensando que vai demorar pra gente se conhecer, porque ela não vai estar, né? E porque você falou que a gente ia se gostar tanto assim, fiquei curiosa. Aí achei que podia ser uma boa ideia eu pegar emprestada só pra ter onde almoçar no domingo que não seja a minha vó que eu amo tanto... só pra eu poder me convencer de que um dia vai ser assim mesmo, eu no meio do que é seu. Só pra eu ter quem abraçar quando a saudade de você for grande demais pra caber em mim. Eu sei que é uma ideia estúpida e confusa, eu sei. E que eu provavelmente vou parecer desequilibrada querendo abraçar teu mundo assim, de uma vez, sem nem você pra me mostrar como é. Mas você me fez tão segura pra dizer o que eu quisesse que as minhas loucuras nem parecem tanto assim ou eu é que não to sabendo mais como controlar isso tudo. Eu sei que é uma ideia idiota e que você vai rir um monte se chegar a entender o que eu to tentando dizer enquanto tropeço nas minhas palavras e na timidez que me deu do nada, só de pensar nisso. Eu sei que é uma ideia ridícula e egoísta, te pedir emprestada alguém que nem você pode ter ultimamente, e eu com esse monte de gente em volta, eu sei. Mesmo assim... deixa?

Retroativo

"That's all folks", já dizia Pernalonga.
E só. Derrota. Só que agora ela não é minha e eu não vou ficar explicando. Minha lembrança está rindo. Cansei e estou tão bem com o meu cansaço que eu vou ali viver uma porção de coisas boas.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Unbelievable

Eu não acredito no amor. Já explico.
Talvez pela separação dos meus pais, quando eu tinha 15, talvez pela separação gradual de todo o resto dos casais da minha família ao longo da minha vida, talvez pelo descascado que ficou no meu coração algumas vezes e que eu precisei de muita massa corrida pra consertar e ainda assim tem gente que quando entra repara que ele está lá, talvez pelo fato de eu ter nascido desprovida de paciência, não se sabe. O fato é que eu não acredito mais no amor.
Não acredito em brigas por motivos non sense como a pasta de dente apertada em cima, a toalha molhada em cima da cama, a louça que ninguém quer lavar, o barzinho com os amigos e o futebol.
Não acredito em discussões por conta da interferência materna de um dos lados, por conta do nome dos filhos, por conta da cor da parede da sala, por conta da caneca de leite derrubada no sofá.
Tem gente que diz que amor se contrói e eu discordo. A gente constrói confiança, constrói hábitos, constrói horários e rotinas, constrói apelidinhos carinhosos. Não amor. Amor ou é ou não é. Ou bate ou não bate. Ou vai ou racha. Amizade é outra coisa. Carinho é outra coisa. Respeito é outra coisa. Amor é feito de tudo isso, mas também (e, talvez, sobretudo) é pele. E é por isso que não se vive só de amor.
É por isso que aquela química irresistível e aquele furacão interno não bastam. Amar é também conviver. E conviver denota imediatamente ceder e compartilhar. E entender que não há mais "problema meu" ou "problema seu". E assim mesmo não perder a própria personalidade. Por isso é tão difícil amar... não é todo amor que se dispõe.
E é assim que eu não acredito no amor.

Ponto. Na outra linha. Parágrafo.

Eu não acredito no amor, mas acredito em gente que fica acordada às duas da manhã, tentando encaixar entre as linhas algo que consiga chegar perto daquele monte de frases soltas e pensamentos revoltos que não deixam o sono vir.
Eu não acredito no amor, mas acredito em gente que sabe conviver com a leveza de amar, como se ele existisse. Em gente que dá o melhor de si até quando não pode tocar.
Eu não acredito no amor, mas aí vem você e fica falando de uma porção de coisas que eu ignoro, que eu desconheço, que eu desaprendi de viver. E eu não durmo. E continuo convencida de que não acredito no amor, mas me pego ridiculamente imaginando como seria incrível se ele existisse mesmo... que susto bom eu ia levar, amor!

sexta-feira, 16 de julho de 2010

...comigo?


Prometer te amar na saúde e na doença, na pobreza e na riqueza... isso é ridículo, isso é o mínimo que se pode pedir à pessoa que está ao seu lado.
Prefiro prometer que vou te amar debaixo de chuva ou na areia da praia...
Te amar chorando porque chutou o pé da mesa, ou sorrindo porque eu cheguei mais cedo do trabalho...
Prometer que vou te fazer sorrir mesmo quando eu estiver com vontade de chorar...
Coisas assim.

*Rápido, preciso de ajuda para um sequestro pelo resto da vida!

(Palavras emprestadas)

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Difícil



Pedi a ele pra anotar o negócio do sussurro no meu ouvido. Não queria correr o risco de ele esquecer e não me dar.
Ele me respondeu bem isso, que não precisava anotar porque tinha passado o dia olhando pro quarto e posicionando umas velas no pé da parede. E que não tinha perigo de esquecer porque aquilo não era uma anotação, era um plano pensado nos mínimos detalhes.
Eu nunca soube fazer planos e não fazia ideia do que seria, no fundo, ter um pensado nos mínimos detalhes, mas gostei da frase e sorri. Na verdade sorri porque fiquei com vergonha, ele me fazia isso o tempo todo.
Ele riu, achando graça. Me puxou pra perto dele e coçou minha cabeça. Não achei tão bom assim... eu ainda queria falar.
Gosto de coisas sexy não vulgares... pensei, alto. Ele disse que achava sexy alguém com a camiseta dele de manhã. E eu ali, louca pra usar a camiseta dele toda manhã pro resto da vida, louca pra usar a vida dele toda manhã tarde e noite até gastar todas as camisetas. Mas ele ainda tinha que dizer que preferia me ver sorrir de vergonha do que qualquer outra coisa que isso pudesse trazer, um dia.
Sem problema. Eu morria de vergonha. Era toda vergonha. Vergonha era o meu nome do meio, e o último. Não era o primeiro porque meu coração de repente estava batendo tão rápido que não me deixava ter primeiro nome. Meu primeiro nome era um intervalo vazio, acho que eu tinha esquecido qual era.
Porque eu já tinha tido experiências o bastante pra conhecer gente que tirava minha roupa com os olhos, sem me tocar. Era constrangedor, mas ele fazia pior. Ele tirava minha roupa só de falar enquanto olhava pela janela, nem pra mim!
Eu me distraía um segundo e lá estava ele, correndo com a minha blusa. Mais uma única frase e eu precisava rápido de um lençol.
Ele pensou, essa louca lê de pé em cima da cama porque diz que fica mais perto da luz!, e sorriu, disfarçando, como se eu não soubesse o que ele estava pensando.
Ele voltou à forra, aproveita pra falar bastante porque já já tua boca vai estar tão perdida na minha que você nem vai se lembrar como usá-la pra outra coisa. Usou o verbo assim, tão bonitinhamente conjugado, que eu tive que quase gritar.
Devolve a minha roupa agora!!!
Ele quase morreu de rir. Eu estava morrendo de sono, queria ver se dormindo eu conseguia pegar minha vida de volta. Tinha saudade dela me incomodando. Ele entortou o sorriso. Vem pegar, vem.
Mas eu não tinha nem ar. Sumiu tudo de dentro de mim de repente. Fiquei comovida com a cena dos dois, tão maduros, rindo sozinhos.
Ele deve ter percebido, porque virou pro outro lado e respirou fundo, enquanto provavelmente pensava em mais alguma coisa pra me levar o lençol. Te levo no meu corpo, não posso dizer que no coração porque você é muito grande pra entrar nele, melhor se encaixar em cada parte, assim toda vez que me olho lembro de você, já te levo dentro, dentro e ao lado.
Pronto.
Precisei de um bilhete pra conseguir dizer alguma coisa. O sono estava me matando e tinha um nó grande e gostoso na minha garganta. Aproveitei a tela do computador, onde eu estava sentada, vamos continuar esse papo na cama? Quise dizer, você aí e eu aqui, calro... *Quis *claro. Aí perdi orumo.
Ele não perdoou, olhou bem pra mim e, rindo da gagueira que me deu de repente, mandou de direita. Foi usar a palavra cama e você errou mais, em duas frases, do que em tudo que escreveu o ano inteiro.
Era pior que isso. Ele levantou da cama e sentou na banqueta, do meu lado. Te adoro um montão. Meus repentinos doze anos só conseguiram responder te adoro o Himalaia. Era a risada dele ecoando de novo. Gosto do jeito que você tem de se expressar. E eu detesto esse jeito que você tem de me desconstruir. Relaxa que ainda faltam 18 minutos pra você se despedir.
E ele me puxou num abraço tão doído daquilo que a gente não conseguia explicar que eu poderia terminar de enlouquecer bem ali.

terça-feira, 6 de julho de 2010

Gostoso



Tudo que é proibido é mais gostoso.
Nem tudo. Andar na contramão pode fazer mal à saúde. Não parar na linha do trem, idem. Assim como ultrapassar em faixa contínua, fumar no posto de combustível, ultrapassar o limite de áreas de risco e provocar sua namorada no auge da TPM (bom, não é proibido, mas é bem perigoso também). O complicado sim, é sempre mais gostoso.
Gostoso!
Que nem tomar sorvete no parque domingo à tarde. Que nem dar risada sozinho, lembrando alguma coisa. Que nem camiseta velha na hora de dormir. Que nem cheiro de chuva. Que nem compartilhar piadas internas. Que nem prender vaga-lume na mão. Que nem perfume de lençol limpo. Que nem vinho no inverno. Que nem carta escrita à mão. Que nem dormir abraçado. Que nem achar dinheiro no bolso da calça. Que nem aquela bala em pó que estalava na língua e não existe mais. Que nem soprar semente de dente-de-leão. Que nem abraço de saudade. Que nem descobrir que você precisa de alguma coisa que não precisava antes.

*****

Era comum ela riscar o que escrevia. Cinco minutos e ela já não concordava mais consigo mesma.
Mas ele estava sempre tentando ver por cima dos ombros dela. Ela percebia e escondia. E riscava. E sorria. Ele ria.
Ficava tentando entender por que se lia nas linhas dela. Ficava pensando e ensaiando dizer o quanto queria concordar com as linhas que ela displicente e criminosamente riscava. Ficava olhando pra trás e querendo adivinhar onde raio estava ela até agora.
Ela nunca soube responder. Nunca soube de verdade onde estava; gostava de pensar no futuro, mas nunca teve muita certeza do presente. Achava sempre que devia estar em outro lugar.
Ele continuava perguntando. Ou tentava. Continuava imaginando desfechos interessantes pras coisas que ela dizia. Ela ria. Ele sorria.
Ela falava de portas com a mesma certeza que usava quando comentava sobre o tempo. Ele ficava ouvindo e pensando que raio de porta era essa e o que ela queria dizer com aquela conversa toda. Ele despistava e dizia que a porta estava sempre aberta, esperando alguém entrar. Ela falava de arrombamento. Ele achava mais interessante usar um grampo de cabelo. Ela achava mais charmoso, mas continuava esperando alguém entrar com porta e tudo.
Ela queria dizer o quanto achava estranho aquilo tudo. Contar o tempo em horas a mais nunca tinha sido costume, e agora era tão comum que ela nem sabia explicar. Ela respirava fundo e ficava dissertando sobre outras coisas, pra não ter que tocar no assunto e correr o risco de assustar as horas e delas começarem a passar em outro ritmo. Ela vivia fugindo das horas. Começava a falar da tal porta e não parava nunca mais, com medo de caber alguma observação (de si mesma) nos intervalos.
Ele queria dizer como se sentia quando ela riscava as palavras que pareciam tão importantes para ele. Ele queria dizer como se sentia riscado também.
Mas ela achava as palavras todas tão descartáveis. Ela dizia que eram só um monte de coisas tiradas de um dicionário.
Ele ria e continuava tentando enxergar enquanto ela continuava escrevendo e riscando.
Ela via e ajeitava o cabelo atrás da orelha e jogava todo pro lado, pra esconder os riscos. Ele pensava em fazer cócegas, mas sabia que aí nem ia querer ler mais nada. Porque rir era sempre a melhor parte. Eles paravam tudo pra rir. Tinha hora que nem todo o riso do mundo era o bastante. Tinha hora que o coração acelerava e aí eles riam. E concordavam: que situação!
Era tão bom desse jeito que eles até esqueciam as palavras, riscadas ou não. Porque tinha hora que rir era o único jeito de os dois se salvarem.
Que nem a vez que ele ficou olhando pra ela por trás da garrafa de cerveja e nenhum dos dois conseguia desviar o olhar, nem falar nada. Que nem aquele dia que ela tocou a campainha sem avisar e nenhum deles sabia o que dizer. Que nem quando os dois queriam falar ao mesmo tempo. Que nem quando eles começavam a falar bobagens e não conseguiam mais parar.
Mas eles eram importantes de uma maneira diferente. Aquela luta com o que tinham a dizer era só mais um jeito de se econtrarem.
Os dois sabiam disso, mas disfarçavam. Ele até queria dizer, mas não conseguia. Ela falava demais.

quarta-feira, 30 de junho de 2010

Preenchendo



A gente vive inventando. A gente inventa um jeito de tudo. A gente inventa um jeito de se superar. Inventa um jeito de encontrar o caminho certo. Inventa um jeito de usar aquela calça jeans um número menor. A gente se atrasa e inventa um atalho para ainda chegar na hora. A gente inventa desculpa. A gente inventa história, ou só aumenta um pouquinho aqui, diminui um pouquinho ali. A gente inventa de comprar um celular novo, uma blusa nova, uma casa nova, um cabelo novo, um peito novo. A gente inventa um jeito de ganhar dinheiro. Inventa um jeito de gastar dinheiro. A gente inventa uma nova mania de infância. Inventa uma viagem. Inventa um jeito de cozinhar mais rápido. Inventa um jeito de comer mais rápido. A gente inventa uma música pra lembrar alguma coisa e depois tenta inventar um jeito de esquecer o refrão daquela outra, porque ouvia com alguém que resolveu ir embora. A gente inventa uma dor pra não ter que ir trabalhar, pra não ter que sair de casa, pra não ter que assistir aula, pra não ter que discutir, pra não ter o que fazer o dia todo. A gente inventa remédios pro corpo e pra alma. Inventa que a partir de agora a gente só vai comer alface e rúcula, porque a gente inventou de achar uma gordurinha sobrando. Inventa que correr faz bem pro coração e que vai começar a correr todo dia. Inventa que chorar faz bem pra alma, mas que vai começar a não chorar tanto como antes porque chorar é coisa de gente fraca, gente forte come brigadeiro, rasga meia dúzia de fotos e fica tudo bem. A gente inventa pose, inventa personagens, inventa trejeitos, sotaques e atitudes. Inventa um a gente novo todo dia. Inventa moda. Inventa de gostar de determinado bar e determinada banda. A gente inventa um jeito novo de pentear o cabelo, um jeito novo de andar, um jeito novo de falar, um jeito novo de se vestir, um jeito novo de ser a gente. A gente inventa lembranças boas pra colocar no lugar das ruins e poder achar que vale a pena sofrer pelo que já foi. Ou inventa lembranças ruins pra colocar no lugar das boas e poder dizer que tomou a melhor decisão ao invés de admitir que o que decidiu foi a maior burrada. A gente inventa poesia, inventa amor, inventa amizade, inventa uma decoração diferente pro quarto, pra sala, pro banheiro. Inventa que precisa de um notebook, que precisa de um sapato, que precisa de um cinema, que precisa de uma companhia. A gente inventa companhia. Inventa de ligar pra qualquer um só pra não ter que ficar só. Inventa de dizer que ama só pra evitar explicações longas. Depois inventa que se enganou. A gente inventa uma religião pra seguir, um curso pra fazer, inventa que sabe o que quer da vida, inventa que entende do que está falando, inventa que sabe tudo de tudo. A gente inventa um choro, inventa um abraço, inventa de querer um beijo, inventa de querer comer aquela torta que só se encontra do outro lado da cidade, inventa um conselho pra alguém, inventa que sabe dar conselho, inventa um disfarce, inventa um sorriso de disfarce, um sorriso de deboche, um sorriso de indiferença, a gente inventa até uma gargalhada, se precisar. A gente inventa uma vontade louca e repentina de gritar, uma vontade louca e repentina de cantar, uma vontade louca e repentina de largar tudo e ir vender coco na praia. A gente inventa de ir pra praia, a gente inventa de voltar de lá, a gente inventa que precisa sair na sexta à noite, senão vai enlouquecer. A gente inventa que precisa beber, que precisa acelerar, que precisa se distrair, que precisa ser mais sincero, que precisa ter mais amigos, a gente inventa que precisa amar.
E, mesmo quando a gente não tem mais o que inventar, a gente ainda inventa cada uma!

A música cujo nome e intérprete eu finalmente descobri. So sweet!!!

segunda-feira, 31 de maio de 2010

Ao infinito...

Para quem não sabe, hoje, 31 de maio, é o Dia Internacional do Comissário de Voo; para quem sabe... também.
Como não poderia deixar de ser, uma vez que é essa a profissão que escolhi a título de "efetiva" depois de desistir da que escolhi a título de "curso superior" ou "para inglês ver", como queiram, gastei alguns minutinhos do meu tempo escrevendo esta homenagem, que é auto mas também é alheia, para os demais malucos que compartilham minha escolha.

PARABÉNS a todos nós que, por algum motivo obscuro, escolhemos estar eternamente entre uma cidade e outra, sem feriados ou finais de semana, sem nunca saber onde vamos passar a noite, sem ter certeza sobre a que horas vamos dormir ou acordar, servindo seres humanos estranhos e complexados, recolhendo saquinhos de vômito, arrancando pessoas de banheiros, acalmando passageiros enlouquecidos, oferecendo balinhas a infantes chatos, cuidadosamente tomando bagagens de mão de pessoas que insistem em permanecer com elas na mão e enfiando-as delicadamente no bagageiro (as bagagens, não as pessoas), convivendo com colegas de trabalho diferentes a cada dia, lidando com condições meteorológicas completamente díspares em um mesmo dia, sorrindo para os demais enquanto a aeronave chacoalha feito um liquidificador em curtocircuito e enquanto controlamos o instinto de agarrar um terço e rezar fervorosamente uma novena para Nossa Senhora da Turbulência (ainda que não sejamos católicos), demonstrando como utilizar os equipamentos de emergência e torcendo para não precisarmos deles, olhando aquela grávida que visivelmente está prestes a dar à luz e implorando ao céu para que ela não exploda a bordo, confiando nossas vidas a pilotos que mal conhecemos e a computadores de bordo passíveis de falha, tendo que responder educadamente a cada vez que perguntam se não temos medo de morrer em uma queda, despressurização ou qualquer outra possível adversidade (como se alguém morresse fora de sua hora) e ainda por cima achando tudo isso lindo demais da conta e fazendo com o maior prazer do mundo!

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Wings

I've been having problems with time. I've been having problems with time, clothes and dreams.
Even with so many people around me, I sleep every night trying to solve troubles I don't have, about things I don't live, for someone I don't know, but who is in my mind all the time.
I've forgetting how to choose my clothes at the morning, I've been trying to be always awesome, as if someday someone could come and see.
I've been living everyday, thinking of places I've never visited, roads I've never passed by, voices I've never heard at all.
I worry about fights I can't avoid, answers I can't give, words I can't say, touchs I can't feel, smells I can't breath, hugs I can't enjoy, bottles I can't open with liquids I can't drink.
It's hard, but it seems to be the kind of headache we like to feel.
I don't know why, but it's something that makes me feel fine.
And, when I'm dreaming, I've been always flying in the sky, over the sea, trying to find something, looking for a way to come closer. There're only two hours everynight to get there and it's far away. That's why sometimes I don't find nothing when I arrive. There's always a song to dance and I wake up singing it, living it, breathing it, feeling it.
Come closer... can you feel with me?

(Original version in English, cause the words just jumped into my mind in English. But it must be easy to find errors so, please, ignore them. And a song of Elvis that's jumping into my mind since many days ago).

terça-feira, 25 de maio de 2010

Andando

Eu continuo andando com cuidado.
Se o que vale mesmo não são as minhas pegadas no chão, mas as que deixei nos outros, se é assim mesmo que as coisas são, eu ainda acho que é possível pisar mais suave.
Porque eu me lembro que os caminhos que trilho nos outros não são de asfalto nem possuem sinalização. Porque sou eu que escolho esses caminhos, e escolho sempre os mais bonitos - normalmente algum que passe pelas nuvens, só que nuvens furam fácil, e despencar uns dois quilômetros nunca é muito indicado.
Por isso é que caminho na ponta dos pés quando chego de madrugada; e vou testando a consistência a cada passo. Mas às vezes me distraio vendo alguém que passa por mim e vai em outra direção... quando é assim fico olhando, pesando o impacto dos passos dos outros e acabo esquecendo dos meus. É sempre aí que eu tropeço, ou pior, a nuvem fura e eu penso Burra! mas só dá pra esperar chegar no chão. Às vezes dói, às vezes caio em pé e aí é só começar de novo. Problema mesmo é quando faz barulho e acorda todo mundo.
Fica uma confusão de lascar, começam a procurar o culpado, não tenho muita escolha: ou eu me acuso ou saio assobiando pela porta dos fundos, fazendo de conta que não é comigo. Nunca sei o que é pior.
Se eu confessar que fui eu podem me chutar pra fora, porque ali ninguém quer uma irresponsável distraída que tropeça nos próprios pés e fica incomodando os demais - ou não. Já houve vezes de gostarem do agito e me convidarem pra ficar, mas como eu prefiro andar no silêncio depois acabo indo embora; se eu me misturo à multidão e vou embora sem que vejam, parece que gastei um tempão andando na direção de uma miragem, já que ninguém reparou.
As pessoas também andam em mim. Nem todas pensam como eu. Alguns caminhos aqui são bem estranhos e eu aviso, pode ser que ouçam ou, com sorte, pode ser que não. Tem gente que encontra gente e daí resolve andar por mim acompanhado. Eu gosto. Gosto de ser labirinto, de sentir os passos dos outros, de às vezes me sentir um abismo e ver alguém despencando, gosto de ouvir as conversas dos que se encontram em mim e dos que encontram outros em mim. Mas gosto principalmente de ser caminho para os outros. Caminho para passos tortos, suaves ou atrapalhados, e que deixem pegadas.

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Aquele

Sabe, meus cremes têm um propósito. Eu não sou do tipo que sai por aí gastando o que não tem pra se sentir mais bonita. Há, sim, aquele cara de quem eu quero chamar a atenção. Ele existe, anda por aí, tem nome e sobrenome, tem lá seus medos e suas caraminholas, tem lá seu RG, sua cama e seu par de tênis preferido.
Ele finge que não percebe, mas sabe quando tropeça nas minhas cenas. Ele se atrapalha com as minhas palavras; e com as dele. Ele cai nos meus joguinhos, mesmo conhecendo todos eles.
Ele fala demais, às vezes. Às vezes fala sem pensar, às vezes pensa demais pra falar, às vezes cala demais.
Ele só não entende.
Não entende nada de mim, nada do que eu digo. Acho que ele nem ouve! Acho que ele me olha e pensa que me vê. Acho que ele finge que olha, pra não ficar chato. Às vezes ele até me beija no meio da frase, pra provar que não me ouviu.
A gente conversa, a gente ri, às vezes a gente chora. Às vezes ele vai comigo ao cinema e nem sabe, às vezes ele dorme do meu lado e não sente. Mas eu perdoo, porque sei que às vezes sou eu que faço assim.
Tem dias que ele some - deve ter dias que eu sumo também - e tem dias que não sai daqui! Fica aqui falando o dia todo, me sacudindo, mordendo minha orelha, não cala a boca, não para quieto, não vai embora.
No fim do dia ele me abraça e me deseja boa noite. Às vezes ele vai, às vezes fica me vendo dormir. Às vezes me acorda no meio da noite, pra tomar água com ele, deve ter medo do escuro. É que ele fica meio à sombra de tudo. Nunca aprendeu a sair de lá, ninguém nunca ensinou, o que dá um pouco de trabalho, porque nem sempre dá pra enxergar que ele está lá. Só de vez em quando é que ele se ilumina. Gosto tanto!
Se ele soubesse o quanto eu gosto, acho que faria mais vezes. Talvez eu devesse contar pra ele... como se adiantasse. Ele vai colocar o dedo no ouvido e gritar mais alto do que eu falo, igual criança. Ele sempre faz dessas. Acho graça, mas se eu der risada ele se irrita.
Eu também me irrito. Com essa mania de nunca estar quando eu preciso e se eu falo ele responde depois ignora. Com essa presença sem fim da sombra dele nos meus passos. Com essa ausência infinita que ele causa aqui, quando sai. Com as risadas dele no meio da noite, quando ele volta. Com a minha maldita mania de ficar queimando cérebro e de falar sozinha e deixar todo mundo achando que eu fiquei maluca de vez. Até ele. E de querer mostrar pra todo mundo que eu sou minha melhor companhia. E de ficar enchendo a cabeça dele com os meus conselhos e as minhas convicções, pra ele achar que eu sou assim mesmo, essa certeza inteirinha, que chega a doer igual soco no estômago. Eu me irrito com a minha mania de fazer meu sorriso parecer fácil demais, e fingir que estar no controle é moleza pra mim. Com a minha mania de sorrir pra ele e dizer que tudo vai ficar bem e que vamos sobreviver.
Porque eu sei que não vamos, sei lá... tem jeito não, de sobreviver assim. Porque não dá pra ficar junto. É um desacerto, é um desencontro, é um desespero e ninguém cede de lado nenhum. Nem nunca vai. E não dá pra ignorar, então fica confuso.
Ninguém sobrevive, eu sei. Mas tenho que fazer de conta que não sei. Quer dizer, não tenho não, ele que se vire com o abismo que ficar depois.
Ele que se vire com o meu cheiro e as minhas palavras decoradas, ele que se vire com o eco de risada que ficar na sala, ele que se vire pra arrumar a bagunça que sobrar depois.
E eu que dê conta também, de aguentar os olhos dele em cima de mim, de correr sozinha pra um lugar que eu não conheço, de dar um fim nos meus cremes e aprender a me arrumar só pra me sentir mais bonita, de arrumar outra pessoa pra me acordar no meio da noite.
Já que é assim mesmo, melhor isso. Ele lá e eu aqui, se amando de longe. Aliás, se amando só porque é de longe. E fazendo de conta que vamos sobreviver, mas cada um por sua conta. Não dá mesmo pra confiar em mim.

Eu

Sabe quando você gosta tanto de algo que fez que quer enfiar goela abaixo de todo mundo?
Escrevi umas coisinhas sobre mim para colocar no perfil, mas ficou tão completo que não me controlei. Lá vai, a quem interessar possa.

Formada em algo que pretende não usar.
Ex-atriz, ex-tecladista, ex-aluna, ex-paciente, ex-namorada, ex-fã, ex-exemplo, ex-conservadora, ex-católica, ex-trema.
Projeto de poliglota, tentativa de blogueira, quase comissária, pretendente a milionária, nunca quis ser gente grande, não quer arrumar marido e tem mania de corrigir os outros.
Viciada em Coca-Cola, viagens, Mc Donalds, chocolate e solidão.
Sagitariana típica, um desastre, um exagero, um drama só, uma encrenca sem fim.
Não liga pro que os outros pensam, não quer saber os motivos, não tem paciência.
Mas quando gosta, gosta inteira!

terça-feira, 4 de maio de 2010

Interior

Porque todo mundo deveria regar outros jardins, de vez em quando. Talvez dar uma olhada nas sementes, colher uma ou outra muda para o próprio jardim, ajudar a cortar os galhos e as folhas que estão sobrando.
E se importar com o que os outros estão tentando dizer, ainda que não valha a pena.
E porque, na maioria das vezes, o que todo mundo quer é companhia pra ir ao cinema, ninguém liga pro filme que vai passar, nem se há mais alguém interessado na história.
Daí fica esse caos - e todo mundo faz de conta que é legal ver filme denso pra não perder o costume de querer ser o que não é. E todo mundo finge que prefere o filme legendado, e que entende cada palavra do que estão dizendo, quando na verdade a maioria só ri do que os outros riem também.
E todo mundo vai ao cinema acompanhado, mas sai de lá desnorteado... e não há quem consiga ajudar.
E todo mundo tenta ver na história a sua própria, modificada, romanceada e com final feliz.
Todo mundo olha no espelho tentando enxergar coisas que não estão ali.
Todo mundo faz de conta que é legal ver filme denso mas, às vezes, tudo que a gente precisa é de uma comédia besta.

*1 - Livremente inspirado pelas palavras da Su, mestra no assunto, que pode ser conferida bem aqui.
*2 - Dedicado à Paula, minha querida amiga desconhecida, que sabe muito bem ler pessoas e que se parece tanto comigo. (Por curiosidade depois do seu comentário, fui xeretar seus textos antigos. Parece que sou eu falando, efetivamente). Ah, sim... e que se encontra aqui.

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Chá



Amar, meu bem, eu também amo.
Penso durante o dia e sonho à noite, como qualquer criatura normal.
Amar assim é pra ser fácil. Não precisa bater a cabeça, discordar, discutir, conviver com os defeitos, as vontades e as alegrias.
Nem com a minha tragédia que, de tão densa, já virou piada que me faz dar risada todo dia. Porque tenho trinta anos desde os dezesseis. Porque tive que aprender a confrontar a minha sorte e fazer dela pista de patinação. Botei até umas luzes pra ficar mais colorida.
Amar assim, até eu. Não precisa abrir mão das madrugadas com a TV, nem fazer almoço, pagar cinema, sair pra jantar, pegar na mão. Nem brigar por pasta de dente apertada em cima, fazer a cama de manhã, nem desfazer à noite. Igual à minha, que eu durmo em cima da colcha pra não ter que estender no outro dia, que eu durmo de um lado só pra não ter que guardar as roupas que estão do outro lado, que eu durmo tarde, se quiser.
Amar mentalmente, tapando o nariz antes de pular na água, eu já amava antes de saber o que era. Não tem que dançar com os pedaços não dados da outra pessoa, nem chegar na hora pra não levar bronca, nem desvendar seja lá o que for de pensamento.
Só que meus neurônios andam cansados de amar assim, então eu chutei todos eles pra fora. Onde se viu, ficar me incomodando a cabeça?! Justo a minha, que tem tanta coisa pra pensar?! Justo a minha, que acorda em português, atende o telefone em italiano, traduz em espanhol, canta em inglês e manda e-mail em francês?! Justo a minha, que eu mudo por fora pra ver se limpo por dentro?!
Sei que aí eu chutei todos pra fora e dei uma festa com uns convidados novos. Mas era tanta tranquilidade sem todos eles falando todo o tempo, que virou um chá da tarde.
E está assim... as únicas palavras ouvidas há dias têm a ver com passar o açúcar, providenciar mais bolo, esquentar o leite. Tem gente lá que até foi dar uma cochilada debaixo de uma amoreira que plantaram no jardim. Sempre gostei de amoreira. Sempre gostei de amora. Sempre gostei de amor.
Mas acontece que amor dá muito trabalho, amora mancha a roupa e amoreira é só essa coisa onde eu estico a rede e descanso.
Meus neurônios irritados não estão fazendo falta. Espero que eles demorem muito a voltar. E quanto a você, veja se não provoca os malditos!

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Sinestesia

(Trecho de um ensaio do que um dia - ou nunca - virá a ser um livro).
Para acompanhar, caso eu tenha moral para recomendar alguma coisa:


O frescor da noite de outono entrava pela janela entreaberta do apartamento e dançava pelos cabelos longos. Ela começou a prendê-los no alto da cabeça com uma caneta, enquanto tentava colocar alguma coisa no papel que lembrasse - ainda que de longe - a matéria que o professor havia passado no dia anterior.
Já fazia horas que ela estava acompanhada de uma pilha de livros sem, contudo, ir além de duas meras páginas, que só não haviam sido jogadas fora porque ela não conseguira nada melhor.
Olhou para o despertador, verificando o horário. 3h15. Pensou em ir dormir, mas não estava ainda com sono, então resolveu ir para a cozinha e preparar alguma coisa para comer. O trabalho teria que esperar.
Saiu pela porta que levava ao corredor, passou pela sala e entrou na cozinha. Ao bater a mão no interruptor, lembrou-se que a luz estava queimada. Abriu a geladeira para enxergar um copo no armário.
Preparou um saduíche e já voltava para o quarto quando o telefone tocou.
3h15 da manhã?! - pensou - quem está me ligando a essa hora?
Seu coração disparou. Imediatamente um mal estar atingiu a boca do estômago e quase a fez vomitar. Parecia que algum fantasma havia lhe dado um soco.
Era um pressentimento, intuição, sexto sentido, ou seja lá como se chama quando o coração bate no estômago e os dois caem em um buraco no meio da barriga. Apesar de toda a impossibilidade de que aquele pensamento fosse real, ela soube exatamente quem estava do outro lado da linha.
Deveria atender? O que dizer depois de tanto tempo? - O telefone não parava de tocar e ela permanecia relutante em atender, congelada no meio da sala, segurando o sanduíche e o copo de leite, com os cabelos presos no alto da cabeça e o pijama de malha, enquanto o vento daquela noite de outono soprava pelo apartamento silencioso. Incapaz de mover um só músculo, com a respiração suspensa e o coração quase saindo pela boca, ela apenas esperou.
Finalmente o aparelho parou de tocar e o ar voltou a circular à sua volta. Retomando o olhar, que estivera todo o tempo pregado no telefone, ela caminhou de volta para o quarto.

domingo, 4 de abril de 2010

Silêncio

É mais difícil à noite - é preciso tocar o silêncio. Ele fica à espreita durante todo o dia, aguardando este momento: além das pessoas, das luzes, das imagens; mas, à noite, vem forte, pesado, grande, espremendo com força o que encontrar pela frente.
Aparentemente sem ter o que fazer com os pensamentos que rodavam sem parar, ela encostou a cabeça na parede enquanto observava o céu. As estrelas estavam ocultas por nuvens que, ela lembrou, pareciam aquelas que rodavam com seus pensamentos.
Ela respirou fundo, tentando filtrar o ar ligeiramente frio que entrava por suas narinas e, com ele, dissipar a névoa interna. Desistiu.
Quando o silêncio se torna pesado demais, o jeito é abraçá-lo, agarrar-se a ele e aconchegar-se em seu colo. E o ar ligeiramente frio em seus pulmões quase ajudava.

Para ler ouvindo:

quarta-feira, 10 de março de 2010

Direta

E quanto a você, que inventa regras para seguir e se tortura com a impossibilidade de cumpri-las, ainda que nenhum árbitro considere falta?!
Eu, ao menos, tenho a tranquilidade de agir de acordo com a minha única lei: desde que não prejudique outras pessoas, posso fazer o que me der na telha.
Pode não ser o melhor estilo de vida, mas sei que não estou vivendo à sombra dos contornos que criei para agradar pessoas e ideias que nada têm a ver comigo.
Já passei por isso há algum tempo, no entanto ainda me lembro bem. Será estranho e poderá te decepcionar quando acontecer, mas um dia você há de descobrir que o mundo não sente inveja de você. O mundo está ocupado demais em seus movimentos de rotação e translação para prestar atenção ao quanto você merece a inveja alheia.
Afinal, o que há de tão perfeito com você para gerar esse tipo de sentimento?
Sabe o que mais? Na minha opinião torta, imagino que deva ser difícil aceitar que sua vida não sai do lugar. Então, quando te contam que há outras formas de respirar o ar que você conhece, é mais cômodo creditar a ideia à inveja altamente corrosiva que o mundo sente de você.
O problema não é a maneira como você gasta suas 24 horas diárias; problema mesmo é querer que outras pessoas aplaudam as escolhas que você faz e sigam seu dito exemplo maravilhoso de conduta. Porque as outras pessoas simplesmente não se encaixam no molde esculpido exclusivamente por você e pra você. O seu molde, perfeito ou não, é só seu e ninguém pode ser condenado por não usá-lo. É só o que (de acordo com suas palavras) deu certo na sua vida, não significa que se aplique aos demais.
E, pra falar a verdade, talvez você precise saber de um segredo: ninguém está nem aí pras tuas regras. Nem pras minhas. E pronto, agora você já pode começar a viver.

segunda-feira, 1 de março de 2010

Leve

Quanto mais penso, mais me convenço de que novos são os dias em que respiro a tranquilidade de saber que estou exatamente onde deveria.
Não faço ideia do que está por vir, mas e daí? Não sei mesmo se estarei viva pela manhã!

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Birthday

Impressões apreendidas do vídeo da minha festa de um ano:
.Eu era um bebê fofo e simpático, porém seletivo.
.Mamy e papy são extremamente mais bonitos atualmente.
.Mamy e papy efetivamente se amavam.
.Vovó Iracelis já era uma constante no meu coraçãozinho.
.Minhas primas mais velhas conheciam absolutamente a totalidade das coreografias de Xuxa e cia ltda.
.Cabelos anos oitenta definitivamente não devem voltar à moda.
.Boa parte dos convidados já não está entre nós.
.A maioria destes que já se foram fazia parte do hall de "convidados mais legais".
.Meus desafetos atuais já eram cultivados naquela época.
.Eu era um bebê altruísta e muito generoso.
.Vovô Emílio gostava de mim, brincava comigo e se lembrava do fato de ter uma neta.
.Os votos de "Felicidades, Carolina" que mamy e minhas tias amadas colaram acima da mesa do bolo não poderiam ser mais sinceros e, provavelmente por isso, me acompanham até hoje.

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Comum

Daí que estou a dois dias da colação de grau e ainda não entreguei os documentos necessários para que meu nome esteja entre aqueles a quem o reitor vai entregar o diploma.
Ah, sim, também não paguei ainda a taxa do cerimonial.
Enfim, tudo normal no reino da Dinamarca.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Precoce

Eu passei no vestibular aos dezesseis anos, comecei a faculdade aos dezessete, peguei minha única dependência aos dezenove, resolvi ficar no país com a mesma idade e fiz vinte e um uma semana antes de me formar.
Naturalmente que isso faz de mim tecnicamente uma pessoa madura, profissional de verdade, com cinco idiomas no currículo e informática básica, que inclui Word, Power Point, internet e um mínimo de Excel.
Por outro lado é muito assustador estar em uma roda jogando conversa fora quando caímos no tema "faculdade". Porque inevitavelmente as pessoas se interessam pelos cursos umas das outras e começam a perguntar freneticamente "E você, que curso faz?" - enquanto eu tento escapulir para o banheiro.
Tudo isso porque sempre há um infeliz que percebe o movimento e dispara a perguntinha capciosa direto para mim, jogando a batata quente na minha mão.
As pessoas acham que eu tenho dezessete anos, peloamordedeus! Até seis meses atrás eu não entrava nem em filme com censura dezoito anos sem apresentar o RG!
Daí que quando respondo "Não, não... eu já sou formada", faz-se um minuto de silêncio na mesa, as pessoas ficam constrangidas e invariavelmente tentam um recomeço: "Ah, é??? Em que curso?"
Não seria nada demais se o curso que escolhi não tivesse um nome que já é praticamente a monografia: Secretariado Executivo Trilíngue.
Obviamente aí chovem olhares intrigados e mais perguntas de "Pra que serve?"; "O que isso faz?"; "Há mercado pra isso?" e etc.
E lá se vão preciosos minutos em que podíamos estar falando dos cursos de pessoas que ainda estão na faculdade, ambiente do qual já fui banida, quase antes de atingir a maioridade no exterior.
Mas nada me fez perceber melhor a situação precária em que estou do que o encontro com uma de minhas colegas de faculdade na rua. Ao me despedir a amiga que estava comigo perguntou quem era e eu, desconsolada, tive que responder: "Fez faculdade comigo".
E isso é tão absurdamente precoce que eu fico até feliz!