sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Começos

O rádio toca músicas que ele não gosta mas será obrigado a ouvir porque eu gosto e hoje eu sou o rapaz aqui. É boa essa coisa de mulher bem resolvida que sinto antes de a gente se encontrar. Eu o vejo e rio; não sinto faltar o ar mas o coração dá um pulinho e isso faz cócegas, que é coisa que eu não sinto há anos. As cócegas de expectativa, que deixaram de existir pra mim porque aprendi a não esperar nada de ninguém, as cócegas de expectativa que pra mim passaram a ser náusea do pior que uma pessoa pode me dar. Dou risada porque ele me faz sentir cócegas de um jeito bom e nem isso eu esperava. Nem isso nem a forma quase patética como topo mesmo seus elogios mais bobos, sei lá... ele me vira de mulher bem resolvida a mocinha de quatorze anos absolutamente deslumbrada pela doçura.
Nunca vai dar certo e ambos sabemos disso, mas é bom insistir nos começos, evitando os finais e todo o resto do podre que vem quando a discussão deixa de ser apenas pelas músicas do rádio. Ele tem cheiro de abracinho durante o filme. A força comedida que usa pro aperto na cintura em forma de oi que tira esse ar infantil só ajuda pra que eu goste mais. Eu tenho cheiro de encrenca. Não vai dar em nada, no fim, mas certas coisas são importantes ainda que não tenham futuro.
Não é nada demais, ninguém pega a estrada e dirige até o outro dia de manhã em direção ao mar, ninguém morre de amores ou se declara perdidamente apaixonado, ninguém se casa e vive feliz pra sempre e é isso que faz com que os começos funcionem. Eu quero só começar pra sempre.
Enquanto ele termina de resolver o necessário e depois vai pra casa dormir até tarde do outro dia eu me pergunto até que horas consigo. O carro dá milhões de voltas porque eu sei que, se soltar o volante, pego o celular. Acabou a brincadeira de ser o mocinho, mocinhos não ligam e eu preciso ligar. Eu quero desesperadamente voltar a ser a mocinha deslumbrada pra poder ligar. A senhora atravessando a rua, o menino dando tchau no banco de trás do carro da frente, o cachorro latindo em algum lugar, a cidade inteira quer que eu ligue. Paro no sinaleiro e aperto com mais força o volante com a mão esquerda, enquanto a direita procura desesperadamente outra música qualquer só pra evitar que a ligeira mordida no lábio inferior se transforme em sangue. Eu preciso ligar; mesmo um "não posso falar agora" salvaria meu dia e minha boca e minha alma.
Canto uns pedaços de refrões que conseguem escapar pelos dentes entreabertos e a língua que toca o céu da boca, num quase beijo que se perde sem encontrar dono. As palavras saem mastigadas na melodia, o que torna minha última esperança ridiculamente medíocre, mas ainda assim válida até que eu possa ir pra casa salva dos meus perigos.
O rádio toca músicas que ele não gosta mas ele nem liga, ele ri. Eu olho o teto do quarto e me sussurro um parabéns, eu resisti mas nem tanto. Ele é mais uma coisa maluca no meio de todas as coisas malucas da minha vida, mas eu não me preocupo, porque mesmo maluco é bem fácil. A única coisa difícil com ele é manter apenas os começos.




terça-feira, 29 de novembro de 2011

Do que está dentro

Ter uma alma boa, é o que eu busco.
No fim relacionamentos, cursos, empregos, novidades e cérebros... tudo passa. E o que vale de verdade é que se tenha uma alma boa.
Uma alma que não passe a maior parte do tempo pensando em como fazer mal a outras almas. Uma alma que consiga respirar fundo e raciocinar antes de revidar qualquer golpe. Uma alma capaz de ser justa, capaz de ser livre, capaz de ser forte e, principalmente, capaz de ser alegre mesmo com o mundo feio como está.
E é difícil. É difícil não seguir o fluxo de todas as almas. É difícil considerar o lado oposto. É difícil e, mais ainda, é difícil não enlouquecer sendo assim.
Quando você está todo o tempo se colocando no lugar dos outros, quando você está todo o tempo observando e lendo as pessoas, quando você está todo o tempo tentando ser agradável e não mandar ninguém ao fogo do inferno, é difícil não enlouquecer.
É difícil ser quem compreende, mas vale a pena.
Ainda que você enlouqueça, ainda que as coisas dêem errado na maior parte do tempo, ainda que você gaste a saúde dos seus órgãos internos e tenha náuseas a maior parte do tempo... ter uma alma boa é, no fundo, acabar sendo um pouco bom, também.

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Para voltar a respirar

Não se ofenda, eu sou assim mesmo. Se costumo dizer que sou sempre "ex-qualquer coisa" é porque não aceito na minha vida nada que me tire os batimentos a que tenho direito.
Não se ofenda, porque eu não me ofendi e não sou diferente de você; só falo demais. Só me dedico demais e me sinto no direito de cobrar o que ninguém me pediu. Eu estou errada sobre muita coisa e até fiquei me sentindo uma pessoa ruim. Você é bom nisso. Você sempre soube da minha consciência exagerada. Mas não estou aqui pra te condenar, eu sou o lado errado aqui.
Você já pode deixar de se sentir mal, eu não sou pra casar e nem sigo meus próprios conselhos. Eu também sou infantil, eu também machuco. Você já pode deixar de se sentir mal, eu tenho minha parcela de culpa. Apesar de todo o tempo que passo ponderando eu também erro, no fim - e agora nós somos iguais. A ironia é que, justamente agora que você pode fazer o que quiser, vai acabar voltando mentalmente ao tema muitas vezes, porque finalmente eu deixei de ser previsível. Agora você vai pensar em mim muito mais, porque anda lamentando os lençóis e os anéis e até o perfume, anda lamentando o contrato que leva os dois nomes juntos, as caixas deixadas no quarto vazio, anda lamentando uma história que a gente inventou e que não ia dar certo de qualquer forma, lamenta ter me chamado, ter confiado em mim, lamenta até mesmo ter me conhecido - e todas essas coisas marcam mais que todo o tempo em que eu esperei ao seu lado, mais que todos os beijos, mais que os papos que sempre tivemos, mais que a espera no aeroporto e os planos que não se cumpriram, marcam mais que as discussões em que a culpa era sempre tua.
As noites que você não queria ter passado ao lado de uma pessoa ruim, ainda que não fosse minha intenção, vão martelar muito tempo na tua cabeça. Porque agora a culpa é minha e você vai detestar ficar pensando nisso e em mim, mas vai pensar mesmo assim. Porque sendo imperfeita eu marco mais que sendo ponderada. Sendo culpada eu marco mais que sendo compreensiva.
Eu até fiquei me sentindo uma pessoa ruim e até chorei - e mesmo com o melhor amigo e a irmã dizendo que eu sou boa, continuei me culpando porque as coisas falharam pra nós. Mas você... você pode deixar de se sentir mal e de sentir muito, porque eu traí minhas regras e sou o lado errado aqui. Porque eu traí minhas regras e o resto não serve de nada, de fato e, se você realmente pensa assim, é melhor mesmo não discutir.

terça-feira, 1 de novembro de 2011

No caminho

Fazia semanas, talvez meses, e a sensação não passava, de modo que eu tomei as decisões necessárias, paguei o que precisava, depois enfiei minhas tralhas numa mochila e fui viajar.
O certo seria que todo mundo pudesse sempre fazer isso. Juntar suas coisas numa mochila e ir ver o resto do mundo, quando tá tudo errado e fora do lugar. Olhar para coisas novas ajuda a parar de prestar atenção ao que acontece do lado de dentro e era justamente o que eu queria. Eu não me suportava mais.
Liguei pro meu pai, que gostou da ideia porque no fim eu ia chegar numa igreja enorme e ia poder rezar bastante e minha vida religiosa seria finalmente retomada e eu ia voltar a acreditar em tudo que ele me ensinou com o maior amor do mundo e que eu infelizmente não acolhi como deveria.
Eu gostei da ideia porque eram quatro dias absolutamente sozinha, comendo quando me desse na telha e andando o quanto quisesse e vendo muita gente cansada e com esperança de chegar logo. Eu precisava ver esperança, porque a minha acabou faz um tempo e é muito difícil fazer qualquer coisa sem a fé de que tudo será melhor. Eu precisava ver a esperança dos outros pra voltar a sentir a minha.
Subi no ônibus querendo acreditar com todas as forças que faria frio, que haveria amigos, que não me daria a maior crise de solidão do universo quando eu estivesse numa trilha no meio do mato, sem nenhuma torre no celular pra ligar pra alguém que me salvasse de mim mesma. Eu às vezes sou bem cruel comigo e por mais que odeie isso não consigo fazer diferente.
Seguindo as famosas setas amarelas que apontam o Caminho de Santiago andei por trilhas que passavam no meio de aldeias, desciam colinas, acompanhavam rodovias, cortavam bosques amarelados pelo começo do outono. E pensei.
De todas as decisões que eu tomei na vida, a melhor foi ficar um tempo fora. A pior também. Cresci milhares de anos tentando entender a língua que esse povo fala, comer como eles comem, me inserir no modelo deles de trabalho e manter minha casa e minhas contas em dia. Foi a parte boa. Senti saudades terríveis dos meus pais, dos meus irmãos, dos meus amigos; não consegui nenhum trabalho que merecesse o esforço e acabei magra demais, preocupada demais, presa demais. Perdi uma amizade que eu adorava porque estraguei tudo no começo e ele estragou tudo no final. Sorri muito, claro. Chorei demais também, embaixo do chuveiro, tentando fazer com que a água lavasse um pouco da minha alma. Percebi que o lugar em que eu nunca quis estar na vida é justamente o lugar em que estou melhor, com pessoas que me fazem falta e atividades que me fazem bem.
Continuava andando e, quando parava  para almoçar - sozinha - lembrava com o maior carinho os almoços atribulados da minha infância, com meu pai tentando colocar ordem em outras quatro pessoas que tinham milhares de histórias pra dividir; pensava nos almoços no shopping com as minhas amigas pelo menos uma vez por semana; sentia o cheiro do almoço de domingo na minha avó.
Andar... não estamos todos andando também? Alguns sabendo que poderão descansar nos próximos quilômetros, outros esperando uma companhia que nunca chega. Andamos pensando nos nossos problemas, nas nossas histórias, na doçura dos sorrisos, na ferida aberta com faca, sem dó. Andamos calculando o salário, tentando encaixar as ideias, planejando o fim de semana, pensando de novo no por que de algumas coisas simplesmente não darem certo.
Foram 110km, mas poderia ter sido minha vida inteira. Não tive ataques de ansiedade nem fiquei pensando nos outros, foi um exercício de encontro com alguma parte de mim que insistia em pulsar em outros lados. Conheci pessoas, me despedi delas. Agradeci muito por poder estar ali. Fora isso rezei pouco, meu pai há de me perdoar. A igreja no final era linda e ver o incensário balançando a meio metro da cabeça dos fieis me parou o coração por uma fração de segundos. Eu estou viva. Eu sinto. E, por mais que me magoe e me desvalorize e me corroa por dentro de vez em quando, eu ainda gosto de mim um montão. Suponho que, no final, cada um está mesmo andando sozinho e não vale a pena esperar ajuda - ou amor, ou paz ou compreensão. Cada um se condena ou se absolve de seus próprios infernos. Se é justo ou não, não me cabe decidir. Costumo pensar que cada um será cedo ou tarde vítima de sua consciência. Engano. A minha me castiga muito, é verdade, mas não posso esperar isso dos outros. No final, o que você ganha por ser bom é só ser bom. Não há recompensas, não há vencedores.
Há o caminho, que ninguém sabe onde vai dar. E há gente boa e disposta a andar com a gente um pedaço longo ou curto, assim como há quem prefira continuar sozinho - talvez porque ter companhia significa ser responsável por outra vida, talvez porque a alma não esteja preparada para dividir seus mistérios, talvez porque estando sozinho ninguém pode te condenar por nada, não sei, mas é bom assim. A vida é boa. Eu andei 110km de fato, mas sinto que não parei. Voltar ao que antes me incomodava é uma continuação disso, porque às vezes também se erra o caminho, porque às vezes também se erram as almas, porque às vezes também se erra a sentença.
Eu não estou mais perdida, eu sei exatamente para onde estou indo e quem quero ao meu lado e isso é um alívio sem fim. Fica quem é importante ficar. Eu não cheguei, provavelmente não chegue nunca, porque cada passo pede sempre um passo a mais, mas sigo no caminho - que nem sempre é bonito e nem sempre é feio e às vezes também confunde e dá calos e faz cair, mas é que esse caminho definitivamente é o meu.

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

As linhas coloridas e o nó na garganta

Há coisas que simplesmente foram feitas para acontecer. Muitas vezes são malucas e tortas e erradas e dão um monte de problemas mas a gente sabe, de algum jeito, que tem que ser assim.
Há coisas que não.
Começou quando eu esbarrei na caixinha de costura e espalhei linhas de todas as cores no chão. Todas as cores de linhas e eu ali, juntando uma por uma pra guardar de volta na caixinha porque, por mais bonitas que elas ficassem espalhadas no chão, não era esse seu lugar.
Eu passei minha vida inteira correndo de tudo que pudesse significar que eu estava presa. Eu nunca quis morrer na cidade onde nasci, nunca quis uma casa lá, nunca quis me apegar demais a nada que pudesse me reter àquele lugar. E precisei atravessar oceanos inteiros das minhas dúvidas e medos e convicções para me dar conta de que, afinal, eu pertenço a tudo isso.
Minha maldita mania de sagitariana de querer aventura me faz inventar coisas. Costumava ser saudável e todo mundo elogiava e olha só como ela tem tanta coragem, mas acho que esqueci como canalizar minha energia criativa para o que realmente é útil e foi assim que eu acabei derrubando a caixinha de costura no chão.
Uns dias antes eu acordei vomitando tudo o que tinha no estômago e no coração e na alma. Tem coisas que meu corpo expulsa contra a minha vontade mas no fim eu agradeço, ainda que me sinta tão vazia e sozinha e juntando linhas do chão. Seis horas e meia de exames e fotos internas disformes acabaram com uma médica simpática me explicando que finalmente eu consegui: estou doente de tanto pensar. Mas é isso, toma esse remedinho aqui pra tirar tua ansiedade e tenta não ficar tão nervosa.
Acontece que eu nem fiz vinte e três anos ainda porque meu aniversário é só no fim do ano e eu me deprimo tanto quando ele chega, como é que vou ficar tomando remédio pra poder achar tudo menos feio? Eu nasci na primavera - tudo bem, era quase verão, mas isso não deveria me dar um pouco de cor e de perfume e de leveza?
Claro que eu enlouqueci. Tive uma crise de choro sem precedentes, embora todas as minhas crises de choro sejam sem precedentes, quis quebrar copos e janelas e corações e deixar tudo pra trás pra arrumarem sem mim, quem sabe assim dava pra perceber como é solitário isso de ficar juntando pedaços o tempo todo. Lembrei das crises de falta de ar e do pânico e só de pensar já me deu vertigem. Eu não quero isso mais. Eu não vou mais me matar voluntariamente e em doses homeopáticas.
Não é minha culpa que, aos vinte e poucos, haja vidas já tão cheias de passados que não admitem presentes. Não é minha culpa e eu não posso assumir consequências de tragédias alheias.
Eu não sinto ódio, não sou indiferente, não vou me matar de tristeza. Pelo contrário. Eu agradeço porque me deram muito, porque eu devo muito, porque eu tive sim com quem contar, porque eu não me arrependo. Mas tem horas que é melhor deixar que tudo siga seu curso sem interferir, sem forçar situações, sem enlouquecer.
Se eu tenho que passar por cima de tudo o que defendi e acreditei a vida inteira para isso, tudo bem. Se eu tenho que retroceder e guardar as linhas coloridas para quando elas forem realmente úteis, não faz mal. Também é muito meu isso de assumir minhas besteiras. Também vou sobreviver a isso. As minhas consequências, ainda que me quebrem e me machuquem e me forcem a encarar coisas desagradáveis, eu estou preparada para aguentar. Desde que sejam minhas, desde que sejam obra das minhas decisões. Os pesos alheios eu sinto muito, mas não posso carregar.
Há coisas que simplesmente foram feitas para acontecer. Há coisas que não. E, mesmo que seja triste e chato e complicado, ninguém nunca morreu por engolir as próprias certezas.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Quase verdades

"Uma verdade dita com má intenção bate todas as mentiras que se possa inventar."
-William Blake

Eu minto mesmo. Muitas vezes sobre coisas pequenas; aumento uma frase, uma expressão, digo que disse algo que na verdade só pensei em dizer depois, invento uma situação, melhoro os fatos, torno as coisas mais divertidas do que foram.
Essas mentiras despropositais, e espontâneas tornam minha vida mais leve e minha história mais interessante. Eu fiz amizade com as minhas mentirinhas insuspeitas e convivemos bem assim, completando com imaginação as lacunas que as verdades deixam pra trás. Porque não existem meias verdades (maldito hífen que eu nunca mais soube onde usar). Verdades são concretas e inteiras, imutáveis. Já o que não aconteceu tem muitas caras, poderia ter sido de um zilhão de jeitos diferentes e isso, quando usado pela gente certa, é mais divertido que a verdade pura e simples. Mentir, no meu caso, é um ato de compulsão sem culpas, uma automação das coisas que eu tenho pra contar, que não prejudica ninguém e me ajuda a engolir minhas verdades sem precisar de tanto sal de fruta.
Mas eu também aprendi a mentir de um jeito mais fundo. Minto quando sei que a verdade não vale o sofrimento que vai causar. Minto pra proteger pessoas de verdades que nada acrescentariam às suas vidas, que vão trazer choro e desespero e, no fim, vão apenas virar uma ferida que não sara. Minto porque acho que o mundo precisa de um pouco de compaixão e as pessoas precisam de muita evolução, ainda, pra aprenderem a conviver com a verdade crua. Minto porque muitas vezes sei que a verdade não vai resolver problemas, ou porque sei que vai causá-los, ou porque acho que alguém só precisa de um abraço e alguém que diga que o universo não é tão feio quanto parece.
A verdade não aplaca o sofrimento, a verdade não melhora os fatos, a verdade não cura dor nenhuma, apenas mostra coisas que nem sempre estamos preparados para enxergar. A verdade, quando não é vital para determinado assunto, deve ser maquiada. Mentiras ditas com bom coração são quase verdades.
Eu minto mesmo. E não me acho merecedora do inferno por isso. Eu acho que ser uma boa pessoa também passa por saber mentir.

terça-feira, 31 de maio de 2011

Os meus

Por quem você está nesse mundo?
Não, não estou falando de almas gêmeas ou pessoas que "precisamos encontrar", embora essas sejam forças poderosas de ligação que eu não desprezo; falo de pessoas por quem você morreria, ou mataria, se necessário.
É claro que, como sagitariana com ascendente em sagitário, tendo a exagerar um pouco as coisas mas, sério, há que existir ao menos uma alma na Terra por quem viver... não?
Descobrir por quem você está não é tarefa fácil, mas é muito importante. "De que lado você samba?" - dizia a canção. Embora haja uma porção de almas pelas quais vale a pena lutar, milhões precisando de uma voz que fale por elas, cada um de nós só tem uma vida por vez e, a menos que você seja um espírito evoluído como Gandhi, é melhor ir selecionando seu próprio batalhão de protegidos.
Escolhi, por mérito, chamar de "meus" todos aqueles por quem compro briga, por quem ponho a mão no fogo, por quem falo em público, por quem continuo escrevendo, todos aqueles de quem me permito sentir saudade, todos aqueles por quem eu suportaria uma perpétua, uma tortura, ou mais.
Eu estou nesse mundo pelos meus. Sigo meus caminhos tortos, nem sempre próxima dessas almas tão especiais para mim, mas estou incontestavelmente por elas. Dentre as centenas de almas que cruzam uma vida, muitas dezenas são merecedoras das vagas desse exército, mas é preciso escolher um grupo.
Não há números exatos, cada um divide o coração que tem. Pode ser uma pessoa ou uma centena delas. Pode ser o amor da sua vida ou seus pais. Podem ser amigos da vida toda ou um que você acabou de conhecer.
Apenas decida quem são os "seus" - e esteja por eles. Incansavelmente por eles. Escolha as almas que fazem essa confusão toda continuar valendo a pena.

terça-feira, 19 de abril de 2011

Quase amor

Eu admiro quem diz "te amo".
E não falo de amor de amigos ou família. Falo de amor desse besta mesmo.
Eu vivo dizendo "te amo" pros meus irmãos, meus pais, primos, tios, avós... falo assim mesmo, no meio do dia, sem motivo aparente, só pra lembrar que, embora a genética tenha me programado para isso, eu também amo por voluntariedade, porque construímos laços irrompíveis ao longo dos anos e acho isso uma coisa muito especial, muito digna e merecedora de lembretes sem motivo aparente.
Também digo "te amo" pros meus amigos com frequência, pra lembrar que, embora eu não tenha sido geneticamente programada para amá-los, algo mais forte que o parentesco sanguíneo nos uniu e isso também é uma coisa especial que merece ser destacada.
Mas admiro quem diz "te amo" pra pessoa que está ali ao lado, passando por coisas junto de você. Admiro porque eu não sei fazer.
Talvez porque o amor romântico seja muito idealizado como uma coisa que queima mesmo, e dói e enlouquece e tira o chão - e essas não são coisas que acontecem todo o tempo, pelo menos não comigo. Essas são coisas que costumavam me acontecer aos quinze anos, quando todo rostinho bonito que eu encontrava era o grande amor da minha vida.
Depois o mundo ficou feio, as pessoas deixaram de ser de confiança e o amor que eu sentia por cada nova possibilidade morreu. E eu fiquei assim, livre, esperta, decidida e profundamente atolada na desculpa de que o mundo não entende minhas boas intenções.
Acho mesmo incrível que alguém ainda consiga olhar nos olhos e dizer algo assim. Quem consegue entregar seu mundo com essa certeza, com essa pureza, com essa leveza, com essa graça, merece ser amado de volta. Quem consegue espalhar "estamos juntos" sem o medo de que amanhã um dos dois pode sumir e deixar o outro com todas as coisas pra arrumar sozinho, quem ainda consegue ser assim mesmo com essa loucura toda merece sentir amor.
Pra mim é complicado. Tenho pânico de gastar amor com coisas voláteis como são os relacionamentos. Tenho pânico dos finais e, por isso, sempre acabo eu mesma com tudo antes que acabem comigo. Eu estrago tudo sempre, pra me sentir mais completa e corajosa e capaz.
Mas nem é que eu não goste dele, veja bem... eu gosto muito de respirar bem atrás da sua orelha, onde ele nem ouve nem deixa de ouvir e onde o resto de perfume do dia se encontra com o pedaço de brinco e deixa um cheiro inteiro seu. Eu gosto de falar, falar, falar e depois ouvir seu "hm" como resposta, só pra cutucar sua perna dizendo "me dá atenção" e ver como ele ri. Eu gosto de ver seu desespero quando digo que vou fazer alguma coisa na cozinha e da maneira delicada com que ele rejeita a oferta, propondo-se a fazer ele mesmo. Eu gosto de ser sarcástica e ver como ele fica tentando acompanhar minha mente doente pra entender o que fez de errado dessa vez, mesmo quando sabe que não fez nada. Eu gosto do jeito que ele sorri, do jeito cuidadoso com que se veste, da atenção que dá ao aquário, ao bonsai, à colcha da cama.
Eu gosto de sentir sua mão na minha cintura pra eu sair do caminho. Eu gosto do pedaço de barriga que ele deixa aparecer quando deita. Eu gosto que ele pega na minha mão porque tá muito quente pra ficar abraçado. Eu gosto da sua mão. Eu gosto quando pergunto alguma coisa e ele move o mundo - e o Google - pra me responder minuciosamente. Eu gosto da paciência que ele tem pra me esperar escolher roupa e da pressa repentina que ele tem pra gente não perder o trem. Eu gosto de falar dele pra minha mãe, eu gosto de falar com a mãe dele. Eu gosto dos pais dele. Eu gosto do seu companheirismo, da sua companhia, do seu apoio silencioso, do seu beijo de manhã - e à noite, e à tarde - eu gosto do seu beijo, enfim. Eu gosto de imaginar como as coisas serão daqui pra frente, já que resolvi ficar com ele do meu lado. Eu gosto dele um monte, saca? Eu acho que a gente tem uma coisa legal - e até o amo por estar comigo assim tão na paz, sem reclamar das minhas loucuras como todo mundo, sem me mandar ficar quieta, sem me chamar de desequilibrada nem nada, que são coisas com as quais me acostumei.
Mas dizer "te amo", ainda que eu ame muitas coisas nele e mais coisas ainda em nós, - como tudo nosso pra mim é muito palpável, como não me enlouquece nem tira meu chão, como eu planejo ficar muito tempo com ele e esse amor de que falam não admite planejamento porque muda de ideia muito rápido - talvez porque o que eu sinto é muito inteiro e real, dizer "te amo", pra mim, seria estragar tudo. Dizer "te amo", pra mim, ainda é coisa pra quem sabe fazer.

quinta-feira, 31 de março de 2011

Como não agir para obter sucesso

Porque me pedem pra ter paciência, e eu não tenho. Porque me pedem pra dar notícias, e eu não dou. Porque o calor já está chegando e eu não sei o que fazer com as minhas expectativas e medos e indecisões. Porque eu não leio um livro que queira de verdade há muito tempo. Porque minha bunda só diminui e minhas roupas já me encheram. Porque eu não tenho minha loirinha pra brigar pelo computador, nem meu violeiro pra acompanhar minhas cantorias solitárias. Porque eu não tenho as costas do meu pai pra cutucar no domingo à tarde. Porque no domingo à tarde eu trabalho ao invés de viver. Porque deu vontade de discutir com a minha mãe tentando convencer que eu tenho razão mesmo quando sei que não. Porque o sol saiu, porque tá chovendo, porque perdi meu brinco.
É isso, então... se eu desistir de novo e ficar com aquele pânico que eu sinto sempre que saio correndo, se eu depois ficar olhando o celular esperando a eutanásia telefônica que eu esperei a vida inteira. Porque tem coisas que não valem a pena, mesmo. E tem aquelas que valem, mas a gente nunca sabe a diferença.
Tem diferença? Entre o que foi dito e o que calou, aquelas tardes à toa com as amigas e os encontros marcados no sábado à noite, na sexta, na terça, só porque não há nada melhor pra se fazer. Só porque a gente se acostumou a respirar mesmo e a estar arrumado e a beber uma cerveja pra comemorar que a sexta chegou e fingir que não é só mais um fim de semana, que acaba numa segunda com a gente ainda ganhando o mesmo salário ridículo. Só porque todo mundo diz que você tem que entender porque é assim mesmo... e que as coisas se ajeitam depois, quem sabe se você prestar um concurso público? Quem sabe se tomar dois Dramins e tomar um banho e amanhã vai ser tudo bonito de novo. Porque é só uma noite ruim. Porque você não vai mesmo cair nesse abismo que tem por dentro e sabe disso, então já dá pra parar de fingir que você odeia tudo e que seu salto te dá o direito de andar olhando pra frente com cara de capa de revista.
Porque a vida ainda não me reensinou como parecer normal no meio de tanta gente fingindo entender essa coisa toda. Eu ainda não reaprendi a prender a respiração e ignorar o cheiro de podre que vem de tudo quanto é lugar, só pras pessoas pensarem que eu já consigo ficar dentro de mim sem me incomodar com a bagunça.
E se pra alguém é suficiente essa combinação de costume com ar poluído e espera e essa coisa de paciência porque sempre tem amanhã e depois. Se tem quem prefere um cigarro na janela, tudo bem. O mundo continua aí, mesmo que eu não possa vê-lo. Grande coisa. Grande coisa eu, grande coisa minhas conclusões e meu medo e a passagem que eu ainda posso trocar. Grande coisa isso de se ter paciência. E se tem gente que se cabe, se tem gente que consegue e ainda por cima tira foto e ri e tudo. Se tem gente que grita e isso basta, e tem outras gentes que calam e conseguem ficar assim e foda-se o resto das coisas. Se tem quem dá a mínima pras palavras e os significados todos que elas têm dependendo do contexto e dos motivos que há pra dizê-las. Se há quem esteja por aí vivendo e isso é tudo. Embora eu não consiga ainda... se tem, se tem é porque é possível... e ainda há esperança pra quem, assim como eu, continua não tendo cabimento.

domingo, 13 de março de 2011

O que não mudou

Eu continuo não me achando digna da inveja alheia. E continuo odiando quem julga ser.
Acho, como já disse antes, que ninguém está nem aí pras minhas regras e pra maneira que eu escolhi pra olhar esse mundo maluco, embora também ache que muita gente teria menos problemas se usasse meu tão familiar "dane-se" com maior regularidade. Mas entendo que cada um escreve suas linhas como convém e que não vale a pena morrer sufocada, gritando como as coisas são menos complicadas se você olhar do lado certo e tentando convencer a população mundial a discutir menos por besteira.
O mundo é isso aí mesmo e eu acho, como também já disse, que ando me encaixando melhor nele de uns tempos pra cá. Pelo menos consigo conversar com as pessoas sem mencionar meus abismos e sem pensar neles. E isso deve ser uma coisa boa, de algum jeito.
Eu continuo cercada de coisas boas, ainda que haja muita coisa ruim. Eu não acho que o universo esteja todo o tempo tentando me fazer sofrer de algum jeito, o que combina com a minha decisão de não ficar sofrendo ainda que esses sejam os planos do universo pra mim. Aparentemente, eu e o universo andamos inclusive concordando sobre muita coisa, olha só.
Ainda acho que nós escolhemos a maior parte da nossa vida, então meus passos têm sido calculados pensando no que eu quero pros meus dias e isso é incrível, porque me faz sentir que finalmente sou capaz de decidir algo além da cor do meu cabelo. É claro que eu acho isso estranho, tratando-se de uma pessoa que julga que o fato de ter mais peito facilitaria as coisas pro seu lado.
Naturalmente eu acho que minhas regras são legais e boas e praticáveis e, ainda assim, continuo me achando desequilibrada e doente em excesso e, justamente por isso, continuo acreditando de verdade na impossibilidade de existir alguém doente o bastante pra sentir inveja de mim. E odiando quem se acha muito digno da inveja alheia.
Mãe, fique tranquila, eu ainda sou a mesma. Continuo sendo aborrecida e maluca e, como você pode ver, obviamente continuo sendo prolixa.

quinta-feira, 10 de março de 2011

Soro

Há uma semana eu vi a porta da igreja aberta e entrei. A missa estava na metade e eu assisti até o fim. O castelhano do padre e a falta de um folheto só me permitiram responder em português.
Eu não ia à igreja de verdade desde os dezessete. Continuo não frequentando, mas estive ali e ouvi o que tinham a me dizer, e foi bom. No sermão o padre falava dos problemas e das dúvidas e dos infernos que enfrentamos todos; e falava da importância de estarmos próximos daqueles a quem amamos. "Devemos muita coisa aos que nos amam, porque nos ensinaram a viver como julgaram que seria melhor. E por isso sempre devemos estar perto deles, porque aqueles que nos amam nos deram muita vida".
Estou há dois meses e meio longe de casa. Longe dos meus pais, dos meus irmãos, dos meus amigos e dos meus amigos-irmãos. Estou há dois meses e meio longe de tudo e, ainda assim, cada dia mais perto de mim.
Talvez estar ilhada de tudo que me é confortável e que eu conheço da vida inteira me faça sentir mais inteira. Talvez estar sozinha me faça dividir mais minhas impressões com os outros, ainda que não sejam meus ouvidos de sempre.
Justo eu, que sempre amei a solidão por achar que não me encaixava em lugar nenhum do mundo, e que por isso me fechava para ele e me escondia, agora estou tão sozinha que consigo deixar que o mundo me veja, e deixar que o mundo goste de mim, e deixar que alguém me abrace e ultrapasse os limites da minha margem de segurança. Acho que encontrei minha cura.
Eu sinto falta, claro, de fazer parte das conversas de domingo e de ter quem convidar pra almoçar no meio de uma semana chata e cansada. Mas acontece que a solidão forçada desses dias de inverno lá fora traz aqui pra dentro uma espécie de primavera, que deve ser a sensação boa de finalmente estar onde tenho que estar.
Eu duvido todo dia, eu tropeço todo dia. Todo dia eu tenho medo, eu tenho saudade, eu quero voltar. Todo dia eu desisto e começo do zero e tento manter minhas muralhas no lugar e, sabendo que não consigo mais, todo dia eu me inundo das coisas que temia e resolvo não duvidar daquelas em que sempre acreditei.
Solidão para curar meu vício em solidão.
Antídoto a partir do próprio veneno.
Já sou quase humana de novo.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

A volta das coisas todas

Eu ouço o despertador e acordo. Você troca de roupa e põe tênis, passa seus mil cremes e eu sei que nunca vou conseguir ser tão vaidosa quanto você merece. Eu penso em levantar e escovar os dentes, porque sei que você vem me dar tchau e bom dia, mas até meu sono vence minha vaidade. E eu me desculpo.
Você faz piadas e canta e se esforça para me irritar ou me fazer sorrir e eu penso que nunca vou ser tão leve quanto você pensava. E me desculpo de novo.
A gente fala de coisas, lugares, pessoas e do que já foi. A gente se pergunta o que foi desse ou daquele, a gente fala mal, fala bem, não fala nada. A gente passa tempo demais sem falar e, embora eu finja que é normal assim, eu tenho um pouco de saudade de quando a gente falava do que seria.
Eu já soube me achar perfeita com o corpo que me deram, sem silicone e com esse rosto sempre com pontinhos vermelhos, mas acho que esqueci como se faz. Talvez porque eu não saiba ao certo quanto é suficiente pra você e porque, mesmo sabendo de tudo que eu posso fazer e como eu posso ser divertida e parceira e moleca, eu nunca lembro de ser assim com você. E, quando tento, o que consigo é só uma coisa estranha e patética, que faz parecer forçada a segurança que eu tinha, já que ela também sumiu de mim.
Aí me pergunto se isso é o que eu sentia quando era capaz de me apaixonar perdidamente. E se estou perdidamente apaixonada por você... porque eu não consigo mais raciocinar antes de dizer as coisas, e meu cinismo parece ter parado de surtir efeito ou eu é que desaprendi como usá-lo, pelo menos com você. Porque voltei a sentir ciúmes e às vezes até me sinto meio psicótica com essa coisa de não querer depender de você ou te atrapalhar e isso me parece desculpa para não gastar o que eu acho que a gente tem.
E, já que minhas teorias não estão mais funcionando, eu me desculpo porque não sei se sou o que você esperava e porque não sei mais dizer "foda-se", caso não seja. E, me desculpando tanto assim, sei que estou cada vez mais longe do que você esperava, e aí me desculpo de novo.
Eu me odeio tanto por ficar me desculpando e me odeio mais ainda porque sei que não sou assim... e mais ainda porque não consigo te mostrar nada do que eu tinha vontade sobre a vida e o jeito que eu escolhi pra olhar pra ela. E me odeio mais ainda porque você assiste televisão, trabalha, toma banho, usa o computador, cozinha e usa seus cremes e nunca, nunca mostra nada de você.
E eu me sinto mais maluca todo dia... e não sei se isso é impressão ou se eu finalmente sou como todo mundo. Eu sinto saudade porque me sentia tão bem sendo diferente deles. E ao mesmo tempo eu fico feliz e tenho vontade de pular no seu colo quando você chega mas, como não sei nunca quando vai ser demais pra você, sorrio amarelo e cínico e dou a entender que pra mim tanto faz.
Porque quando o buraco que eu tinha dentro começou a querer sarar, eu me senti meio vazia daquela falta toda... e agora não sei o que fazer com as minhas teorias, já que estou o tempo todo passando por cima delas. Como eu vou dar lição de moral se eu mesma não consigo seguir meus conselhos? Onde vou usar minhas frases feitas e citar meus autores, se ao invés de raciocinar eu agora ajo instintivamente?
É isso, esqueci como se racionaliza o mundo. Eu estava errada sobre quase tudo e agora preciso rever todo o meu manual de sobrevivência.
Porque pessoas sem buracos na alma não pensam, elas vivem. E eu acho isso perigoso demais, imagina!
Eu sei que você entende e já até sentiu igual, mas uma vez arrancaram meu coração e, quando devolveram, ele não batia mais por nada nem ninguém, e agora tenho medo de que voltar a bater seja mesmo o que falta pra ele morrer de vez... porque sei que isso me deixou gelada por dentro e por fora, e talvez daí viesse toda a minha maldita segurança em mim mesma.
Mas você chega em casa e não mostra nada de você, nunca, então ao invés de pular no seu colo - como eu gostaria de fazer - eu esqueço de ser eu mesma, divertida e moleca e parceira, e acabo sendo só uma coisa forçadamente gelada, um pouco pelas minhas teorias e um pouco pelas minhas experiências.
E, por mais maluco que possa parecer, como sempre é, acho mesmo que todas as teorias que tínhamos antes não estão servindo pra nada, já que eu não sou mais quem era e você é muito fechado pra gente manter nossas conversas bonitas e cheias de planos. Acho mesmo que nossas teorias não estão servindo pra nada no fim das contas mas, olha que coisa, também acho que somos mesmo muito bons na prática. Mas não posso segurar você, nem te convencer disso, porque eu continuo me achando estranha demais pra alguém acreditar nas minhas ideias. Então eu fico torcendo, cruzando de novo os dedos dos pés e respirando muitas vezes antes de dormir. Eu fico torcendo pra que - ainda que não seja o que a gente esperava - você não sinta vontade de sair correndo.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Sorrisos

Alguém se esqueceu de avisar para o mundo que esse negócio de felicidade não existe; ou, no mínimo, não da forma como ouvimos falar.
A grande maioria das pessoas não é bilionária, não tem uma casa na praia, carro do ano ou mesmo as contas em dia.
Noventa por cento da população mundial têm empregos com horários ou metas que devem ser cumpridos, saem de casa pela manhã reclamando porque está chovendo ou porque está fazendo sol, aguentam chefes aborrecidos e o trânsito da hora do rush. Isso não os faz tristes ou amargurados. Do contrário teríamos índices absurdos de suicídio em quase todos os lugares do mundo. E não é o que acontece.
A grande maioria das pessoas nunca chegou a conhecer sua metade da laranja. As que conheceram, provavelmente já estão com outras pessoas, mais reais e menos complicadas. O amor da sua vida é, possivelmente, alguém que discorda de você em quase todos os assuntos. Porque o amor é assim, não pensa. E, como amor por si só não consegue fazer niguém feliz, "amores da vida" costumam acabar mais rápido que os outros. Mas não vemos por aí muita gente se acabando de chorar por ter perdido o "amor de suas vidas".
Nem dinheiro, nem amor, trazem a felicidade plena.
Porque isso é uma grande mentira. Ninguém é feliz o tempo todo. O que nos faz felizes é a expectativa de coisas boas. A vontade de comprar aquele sapato, aquela casa, aquela viagem. A espera por uma mensagem, um e-mail, uma ligação, um sorriso. O que nos faz felizes, por mais paradoxal que possa parecer, é justamente procurar pela felicidade.
O que nos faz felizes é sentir-nos vivos, em busca de aventuras melhores e mais profundas, que nos mostrem como somos capazes de ir mais além do que acreditávamos. Estar em busca, em movimento, sentir nosso coração batendo de verdade, passar raspando, chegar em cima da hora, bater de frente, defender nossos pontos de vista e, acima de tudo, acreditar que um dia essa felicidade de que tanto ouvimos falar vai bater à nossa porta e dizer "E aí?! To a fim de passar o resto dos meus dias contigo, topas?".
Aí, um dia, enquanto você toma banho ou passeia com o cachorro, enquanto você espera na fila do banco ou lê um livro, enquanto você assoa o nariz gripado ou tira o sapato, você olha pra sua rotina chata e pras suas expectativas e se dá conta: a felicidade tá aí... e você dá um sorriso, mas finge que não vê, pra garantir que ela não vá embora.
Pelo menos é assim comigo. E ando sorrindo bastante.

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Adiante

"Não sou do tipo que procura e sai correndo quando encontra"
É do Paulo Coelho e é bem isso.
Eu me proíbo terminantemente de sair correndo das coisas que eu quis a vida toda.
Ninguém me disse que seria fácil, ninguém me garantiu que tudo ia dar certo o tempo todo. Eu sabia.
E eu me proíbo de me sentir mal só porque finalmente encontrei meus obstáculos.
Se tudo sempre deu certo e de repente tá foda, e de repente tá tenso, e de repente eu quero entrar no banho e chorar os mesmos litros d'água que o chuveiro derrubar, eu me proíbo.
Porque é injusto com os outros, e é injusto comigo. Não posso tirar meu direito de passar por essas fases todas, não posso tirar meu direito de saber como é lutar, de entender o que é superar, não posso tirar meu direito de reaprender a sofrer.
Se eu passei anos tentando reanimar meus batimentos cardíacos, não posso agora ficar com medo das arritmias. Não posso agora ficar com medo da oscilação, porque eu sabia que ela viria.
Você não queria tanto? Então toma!
Se tem alguém que me abraça e eu não tenho impulsos de dizer "olha, eu sou louca e você precisa saber", e eu não olho pro outro lado e nem tenho que fingir que estou à vontade sem estar. Se tem alguém que me abraça e eu não sinto vontade de sair correndo três dias e três noites sem olhar pra trás, então isso deve ser alguma coisa.
E então eu me proíbo de sair correndo! Mesmo que haja muito mais coisas por saber. Mesmo que haja muito mais ontem do que hoje, de todos os lados.
Se eu sentia tanta falta de problemas que fossem meus e não dos outros, de resolver minhas próprias encrencas e de arriscar minha própria pele e de estar exposta, pronto. Estou aqui agora, onde e como sempre quis estar.
E por mais que o ontem pareça vasto olhando daqui, e por mais que às vezes esse passado me toque de forma dolorosa, o presente não me parece pouco. E, mesmo que eu esteja errada sobre isso, eu também vim para correr meus riscos.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Terceira Lei de Newton

Quando eu parei de agir como vítima do mundo, o mundo parou de me tratar como vítima também.
Mudar as atitudes das outras pessoas não diminui em nada o próprio sofrimento. Só adia.
Psicólogos e psiquiatras ganham rios de dinheiro para nos dizer apenas isso: mude de atitude diante da vida, e a vida mudará de atitude diante de você.
Aí reclamamos, que não precisamos pagar tanto apenas para ouvir que estamos sempe errados, no final. Mas continuamos pagando. E, quando isso não dá resultado, então passamos o resto de nossos dias lamentando porque as outras pessoas não são como esperávamos.
E nós? Somos o que queríamos ser? Chegamos ao menos perto de fazer o que desejávamos? Conseguimos nos sentir minimamente responsáveis pelos nossos erros?
O que dizem de nós, o que esperam de nós, o que sentem por nós... julgamos uma foto bonita pelo contexto, pelo momento, pelo sentimento nela contido ou pelo modo como saímos nela?
Pode-se passar toda uma vida correndo atrás de algo que não chega, e daí? Sofre mais quem tem esperança ou quem não espera nada?
Ciúmes, maldições, azar, problemas financeiros, emocionais, brigas, desentendimentos, acidentes, traições... traições.

Somos mesmo vítimas do mundo ou é simplesmente mais fácil culpar o desconhecido pelo mal que nos atinge?
Agimos mesmo de acordo com o que acreditamos ou fingimos ser algo que não somos? Reconhecemos nossos erros ou apenas apontamos os erros alheios, sentindo uma mágoa imensa pelo modo como eles nos afetaram?
Eu parei de me sentir vítima do mundo, para entender que sou vítima de mim mesma, das minhas escolhas, dos meus passos. Não posso esperar dos outros mais do que posso dar a eles. Não posso esperar dos outros mais do que eles podem me dar. Ainda que seus erros me machuquem, ainda que o grito trave na garganta, ainda que eu caia, ainda que eu sinta, ainda que eu queira ferir de volta. Não sou a vítima, nem o vingador; escolho meu caminho e meus aliados. Se eles não forem o bastante para mim, ou eu não for o bastante para eles, não posso culpá-los. Eu sou a dona da minha história; e ela será tão colorida e cheirosa e bonita e agradável quanto eu quiser que ela seja.
Não os outros. Não o mundo. Deixo que eles sejam responsáveis apenas por eles mesmos, por seus próprios atos. Como isso vai me afetar, é um problema todo meu. Tenho é que prestar atenção em como o que parte de mim afeta os outros.
Eu não sou a vítima, sou a escritora.
Bem simples.