quinta-feira, 10 de março de 2011

Soro

Há uma semana eu vi a porta da igreja aberta e entrei. A missa estava na metade e eu assisti até o fim. O castelhano do padre e a falta de um folheto só me permitiram responder em português.
Eu não ia à igreja de verdade desde os dezessete. Continuo não frequentando, mas estive ali e ouvi o que tinham a me dizer, e foi bom. No sermão o padre falava dos problemas e das dúvidas e dos infernos que enfrentamos todos; e falava da importância de estarmos próximos daqueles a quem amamos. "Devemos muita coisa aos que nos amam, porque nos ensinaram a viver como julgaram que seria melhor. E por isso sempre devemos estar perto deles, porque aqueles que nos amam nos deram muita vida".
Estou há dois meses e meio longe de casa. Longe dos meus pais, dos meus irmãos, dos meus amigos e dos meus amigos-irmãos. Estou há dois meses e meio longe de tudo e, ainda assim, cada dia mais perto de mim.
Talvez estar ilhada de tudo que me é confortável e que eu conheço da vida inteira me faça sentir mais inteira. Talvez estar sozinha me faça dividir mais minhas impressões com os outros, ainda que não sejam meus ouvidos de sempre.
Justo eu, que sempre amei a solidão por achar que não me encaixava em lugar nenhum do mundo, e que por isso me fechava para ele e me escondia, agora estou tão sozinha que consigo deixar que o mundo me veja, e deixar que o mundo goste de mim, e deixar que alguém me abrace e ultrapasse os limites da minha margem de segurança. Acho que encontrei minha cura.
Eu sinto falta, claro, de fazer parte das conversas de domingo e de ter quem convidar pra almoçar no meio de uma semana chata e cansada. Mas acontece que a solidão forçada desses dias de inverno lá fora traz aqui pra dentro uma espécie de primavera, que deve ser a sensação boa de finalmente estar onde tenho que estar.
Eu duvido todo dia, eu tropeço todo dia. Todo dia eu tenho medo, eu tenho saudade, eu quero voltar. Todo dia eu desisto e começo do zero e tento manter minhas muralhas no lugar e, sabendo que não consigo mais, todo dia eu me inundo das coisas que temia e resolvo não duvidar daquelas em que sempre acreditei.
Solidão para curar meu vício em solidão.
Antídoto a partir do próprio veneno.
Já sou quase humana de novo.

Um comentário:

  1. Nossa foi um post tão cheio de sentimentos que parece que consegui me colocar no seu lugar.

    ONde você está?

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