quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Nuvem

- Tá ouvindo?
- O que?
- Meu coração tá batendo esquisito.
- Esquisito como? Deixa ver...
Ela encostou a orelha no meu peito e ficou muito quieta. Dez segundos, vinte, vinte e três.
- Tá batendo igual ao meu.
- Não sei, tá estranho, acho que meu pulmão não tá acompanhando.
- Sei lá... pra mim tá normal. Ih, começou a chover...
- É. Será que eu vou morrer?
- Vai.
- ?
- Ué, um dia vai. Eu também vou. Vamos todos. Aliás, já estamos.
Eu sempre me assustava com o humor estranho que ela assumia de vez em quando. Nunca ia me acostumar aos mil jeitos que ela tinha de dizer, fazer e sentir as coisas.
- O que te deu?
- Nada, vontade de tomar banho de chuva.
- Mas tá frio.
- Aham. Por isso não vou. Posso pegar uma pneumonia e morrer.
Era pior do que eu pensava. Agora tinha encanado no assunto. Continuou:
- Se eu morresse agora, ia ser bem triste né?
- Não só agora...
- Mas agora mais, novinha assim. E nem fiz um monte de coisas que eu queria ainda. Nem que eu tivesse cem anos, acho...
Ficou num silêncio tão profundo que fiquei com vontade de nunca ter começado aquele assunto. Eu sentia falta da moleca alegre que ela era quando ficava desse jeito. Mudei o rumo.
- Já viu essa mancha que apareceu no teto?
- Onde?
- Aquela ali... parece um elefante, viu?
- Pra mim parece uma nuvem.
- Nuvem?
- Claro. É igual a uma nuvem.
- Não, menina... é um elefante, olha lá. De onde você tirou nuvem?
- É uma nuvem, mas em forma de elefante.
Olhou pra mim e sorriu. E eu sorri pra ela. Pouco importavam os batimentos, a vida era uma nuvem em forma de elefante.

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