terça-feira, 19 de outubro de 2010

Esgotar

É preciso esgotar amores antigos.
Aqueles que parecem lindos somente pela impossibilidade de sobreviverem em um ambiente com condições normais de temperatura e pressão. Funcionam muito bem com dois personagens, mas esquecem as falas quando misturados às demais partes da peça.
E não dá, sabe?
Esses amores explosivos são muito loucos e muito lindos, mas não servem pra grande coisa.
São como um restinho de perfume... sempre fica algum no fundo do frasco e a gente vai deixando ali na prateleira, esperando o dia em que vai conseguir usar o final.
Só que não usa. A única função daquele frasco com duas gotas por usar é te fazer pensar como era bom o perfume que ficava ali dentro.
Você já até usa outros perfumes, mas fica sempre lembrando das duas gotas no frasco quase vazio.
E o que é que se faz? Nada. Não há o que fazer... esgotar o restinho de perfume do frasco não é função nossa. Só o sol batendo nele todo dia e o tempo passando uma hora depois da outra e o vento assobiando na janela mesmo.
Assim os amores. Vira e mexe fica a impressão de que não foi tudo, de que há ainda o que insistir, o que usar, o que sorrir das coisas que ficaram pra trás. Mas não há. Restos de sentimentos demoram a apodrecer, é assim mesmo. Depois que apodrecem, ainda assim, leva tempo até parar de incomodar aquele cheiro podre de raiva, mágoa e tristeza que fica ali.
Amores antigos e loucos e lindos levam tempo até morrerem de vez. Por muito tempo nos dão a impressão da possibilidade, por muito tempo nos trazem lembranças inventadas de coisas imaginadas que não foram, por muito tempo nos fazem pensar que era melhor antes.
Mas não era e justamente por isso não está mais.
Gostamos do que nos faz bem, nos apaixonamos pelo que encanta, mantemos vivo o que vale a pena. O resto é lembrança besta do que não existiu de verdade, o resto é sofrimento desnecessário, o resto é revirar o coração pra sentir que ele continua batendo. O resto é desfibrilador pra alma e só.
Até o dia em que acaba mesmo. Até o dia em que não sobra mágoa nem lágrima nem nada. Nada, nada, nada.
Até o dia em que você olha pro frasco e vê que o restinho de perfume finalmente evaporou.

P.S.: Aí se joga o frasco fora e se sorri.

4 comentários:

  1. Lindo Carolina - escrever está em nosso sangue !

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  2. "Só que não usa. A única função daquele frasco com duas gotas por usar é te fazer pensar como era bom o perfume que ficava ali dentro."

    Eu tenho um frasco deste, me deu vontade de esborrifar ele pela janela.
    Adorei! ADOREI!
    beijos

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