domingo, 5 de setembro de 2010

Dentro

Morar dentro de mim.
É assim que eu me sinto, descobri.
E aí essas coisas todas de falar sozinha, cantarolar, chorar sem motivo aparente e o medo de cair de mim mesma que me dá ficaram perfeitamente compreensíveis.
As pessoas são criadas para fazer parte do mundo como ele é, então terminam a faculdade, arrumam um emprego e se encaixam nas fórmulas que o mundo tem. Pitágoras, Euler, Bhaskara, né? Lembro vagamente de algo assim, mas nunca aprendi as fórmulas, então talvez seja isso.
A droga da matemática que eu dispensei de propósito e, como não usei no vestibular, achei que não ia fazer diferença em mais nada na minha vida, é isso então?
Eu desaprendi de morar no mundo e resolvi morar dentro de mim.
Sabe, nem sempre a gente se cabe e nem sempre a gente se basta. Mas vai aprendendo a preencher os espaços que sobram com o que encontrar pelo caminho: tristezas antigas, saudades passadas, a esperança de amanhã, mania de comer pasta de dente, ficar repetindo aquela música o dia todo, cruzar os dedos dos pés pra dormir, cortar o cabelo, focar na respiração, dois minutos sem se movimentar com a cabeça completamente embaixo do chuveiro ouvindo só a água, manter as unhas feitas, lembrar do colégio e, sem perceber, o mundo dentro de você ficou imensamente limitado ao mundo dentro de você.
Não é triste, pelo contrário. É bom saber que se é parte da pequena porcentagem da população que aguenta o próprio peso. A maioria das pessoas simplesmente precisa das outras pra suportar dores e alegrias e todo o resto. É bom saber que se pode contar com a própria opinião, com a própria companhia, com a própria crítica, com o próprio colo. É bom saber que se pode sorrir para si. É bom saber que não se vai fraquejar só porque não há outra mão em que segurar.
É bom pensar que se pode ir ao cinema sozinho, tomar um café enquanto lê um livro sem tornar isso melancólico, sentar numa praça e respirar sem a impressão da falta espremendo tudo em volta.
Mas fica essa sensação de que vou cair de mim. Fica essa sensação de que em algum momento vou escorregar por algum lugar compreendido entre meu esôfago e meu diafragma e sumir para sempre.
Não é triste, pelo contrário. É bom saber que há uma saída de mim em algum lugar. É muito difícil encarar outras realidades quando a gente se acostuma com a nossa companhia segura, ainda que instável.
Mas eu não to nem aí pra isso, eu que me dane. A soma dos quadrados dos catetos é igual à hipotenusa, decora, vai. Decora como faz pra calcular os espaços todos entre as gentes que você ficou evitando e agora grita sem parar. Faz favor de aprender Bhaskara que você vai precisar. O mundo precisa de Bhaskara! Pesquisa lá como se divide os sentimentos pelo tempo que se tem e os corações que se emprestam, igual todo mundo faz. Joga no Google o tal do Euler e decora. Para, por favor, de ficar adiando isso tudo. Para, por favor, de se prender aos detalhes de você e esquecer do resto.
Por favor, por favor, por favor.
Se tudo isso for muito pra agora reaprende, pelo menos, como é que se anda de mãos dadas, como é que se compartilha o sofá no sábado à noite, como é que se recebe cafuné, como é que se pede ajuda com o chuveiro que não esquenta, como é que se conta como foi seu dia, como é que se divide o que você sente. E, por favor, se esforça pra sair daí. Morar dentro de mim é bom e foi importante, eu descobri muito mais coisas do que a maioria vai saber sobre si mesmo a vida inteira, mas eu não posso perder todo o resto de tudo então, por favor, colabora...
O grande problema de ficar sozinho não é a solidão, a falta de abraço, de companhia, de vozes, de uma mão pra segurar. Isso é totalmente suportável.
O grande problema de ficar sozinho é que a gente se acostuma. E isso sim, é triste de doer.

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