terça-feira, 25 de maio de 2010

Andando

Eu continuo andando com cuidado.
Se o que vale mesmo não são as minhas pegadas no chão, mas as que deixei nos outros, se é assim mesmo que as coisas são, eu ainda acho que é possível pisar mais suave.
Porque eu me lembro que os caminhos que trilho nos outros não são de asfalto nem possuem sinalização. Porque sou eu que escolho esses caminhos, e escolho sempre os mais bonitos - normalmente algum que passe pelas nuvens, só que nuvens furam fácil, e despencar uns dois quilômetros nunca é muito indicado.
Por isso é que caminho na ponta dos pés quando chego de madrugada; e vou testando a consistência a cada passo. Mas às vezes me distraio vendo alguém que passa por mim e vai em outra direção... quando é assim fico olhando, pesando o impacto dos passos dos outros e acabo esquecendo dos meus. É sempre aí que eu tropeço, ou pior, a nuvem fura e eu penso Burra! mas só dá pra esperar chegar no chão. Às vezes dói, às vezes caio em pé e aí é só começar de novo. Problema mesmo é quando faz barulho e acorda todo mundo.
Fica uma confusão de lascar, começam a procurar o culpado, não tenho muita escolha: ou eu me acuso ou saio assobiando pela porta dos fundos, fazendo de conta que não é comigo. Nunca sei o que é pior.
Se eu confessar que fui eu podem me chutar pra fora, porque ali ninguém quer uma irresponsável distraída que tropeça nos próprios pés e fica incomodando os demais - ou não. Já houve vezes de gostarem do agito e me convidarem pra ficar, mas como eu prefiro andar no silêncio depois acabo indo embora; se eu me misturo à multidão e vou embora sem que vejam, parece que gastei um tempão andando na direção de uma miragem, já que ninguém reparou.
As pessoas também andam em mim. Nem todas pensam como eu. Alguns caminhos aqui são bem estranhos e eu aviso, pode ser que ouçam ou, com sorte, pode ser que não. Tem gente que encontra gente e daí resolve andar por mim acompanhado. Eu gosto. Gosto de ser labirinto, de sentir os passos dos outros, de às vezes me sentir um abismo e ver alguém despencando, gosto de ouvir as conversas dos que se encontram em mim e dos que encontram outros em mim. Mas gosto principalmente de ser caminho para os outros. Caminho para passos tortos, suaves ou atrapalhados, e que deixem pegadas.

Um comentário:

  1. Certo,e como seria andar em alguem,fazer dela seu caminho,quando essa pessoa tambem anda em você,e faz de você o caminho dela¿?você andaria suavemente para que ela nao se assustasse,e assim continuasse andando em você tranquilamente,ou pisaria forte para que ela notasse sua presença,e visse que você faz dela seu caminho!!como agir nesse cruzamento de caminhos....?

    ResponderExcluir