terça-feira, 10 de abril de 2012

Uma semana e meia

Era a terceira garrafa d'água e o nó não descia pela garganta. Eu nunca resisto ao cheiro de problema, aí fica tudo complicado e difícil de desenrolar. Eu sempre insisto pra poder reclamar pra sempre do mundo.
Isso desde que o telefone não tocou e tive que discar eu mesma. Daí chocolate em cima da mesa, 500 filmes e nenhum no DVD, as fotos de tudo do passado e como eu voltei a ter doze anos de repente.
Tem gente que entra em casa e quer permissão pra sentar no sofá, pra olhar o quadro da parede, pra tomar água... e isso é tão incolor, inodoro, insípido e absurdo porque tem gente que entra e tira o sapato e senta na cama e escolhe o filme e quer ver e ler e saber e até tira a camisa quando sente calor sem, no entanto, parecer agressivo, como se tudo aquilo tivesse sempre sido natural e sempre existido. Uma invasão sem choque.
Por isso, mesmo depois das três garrafas d'água, já fazia mais de uma semana e a vontade de sair correndo não vinha. No lugar disso olhar o telefone "toca, toca, por favor, toca... toca pra eu não ser obrigada a me impedir de fazer primeiro".
Não vou ligar porque você disse. Eu só falo besteira, pode ligar, liga sim, liga sempre. Mas tudo que você escreveu a vida toda... isso era sobre o que? Girassóis. Mas parece tanto que era um amor enorme e infinito, e o outro? O outro era ficção científica. Sei não... e aquele? Licença poética, inspirado numa amiga. E esse? Esse escrevi pro meu pai. Tem certeza? Tenho, querido, tenho certeza, começou tudo agora. Minha vida é uma página inteira em branco, eu nunca escrevi nada de ninguém nem vou nunca mais. Mas se você disse que nunca antes. Eu sou louca, não liga. Não é pra ligar? É! Não liga só pra minha loucura. Você não parece louca, mas escreve sobre todo mundo. Então eu vou lá e escrevo sobre você, quer? Quero.
Mesmo sabendo que eu poderia falar bem mal, porque até o que é bom pra mim é ruim, tudo ficou doce como os três bombons me olhando de cima da escrivaninha, enquanto eu enlouquecia por conta da vasta lista de fatores contrários.
Esquece isso, a gente pode morrer amanhã. Não. Não assim, não com o cheiro que tem atrás do teu pescoço e com o meio-fio que é insuficiente pra mim. Amanhã eu vou acordar e colocar a blusa que usei hoje e o cheiro de trás do teu pescoço vai estar lá ainda, de modo que não vai dar pra morrer amanhã de jeito nenhum.
E aí você ri porque a minha ansiedade do futuro engole metade e meia do meu presente. Eu tenho medo porque gosto e eu mesma nunca gosto quando gostam, então sei que seu próximo passo é desistir, porque seria o meu próximo passo, se eu fosse você. É a impressão que você tem? É, parece que você inverteu meu cérebro. Mas não to correndo. Isso, não corre ainda, eu to te avisando porque tenho a mania imbecil de achar que é minha obrigação, não é que eu queira te assustar, entende?
E tenta entender também que é muito difícil eu ser assim como tenho sido. Não é minha essa coisa de responder ou mesmo mandar. Eu sei que está tudo muito à beira do abismo do resto da tua vida e até da minha, mas tenta gostar de mim mesmo assim. A gente não tem nada a ver um com o outro mas eu preciso que você goste de mim só um pouco, só mais cinco minutos. Quando você descobrir o que tá perdendo com isso eu prometo que não vou chorar ou ficar mais louca e até prometo deixar você ir, mas não corra antes, por favor, passe aqui de vez em quando, traga bombom ou só tuas orelhas e o olho castanho mais diferente do mundo. Fica um pouquinho mais.
Só hoje já foram três garrafas d'água e dois comprimidos, fora tudo mais que eu ingeri em todo o resto da minha vida, mas doses de coisas boas como você são as primeiras que tomo em anos.

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