segunda-feira, 2 de abril de 2012

Assalto

A gente tenta entender as diferenças sociais e o querer não satisfeito de roupas e aparelhos e fins de semana em família. A gente tenta entender a frustração de muitas vontades e muitos sonhos e entende que é tudo uma droga mesmo e que o tamanho dos problemas deles nem se compara ao tamanho dos problemas da gente. A gente tenta entender que eles queiram respeito, que queiram muito mais do que a vida inteira puderam ter, que queiram coisas que nem todo o dinheiro do mundo poderia comprar. A gente tenta entender as consequências sem tamanho de uma infância roubada pela sociedade, pelos próprios pais, pela violência.
A gente se esforça pra entender muita coisa, entende que esse imenso abismo social que os mantém afastados da gente é uma questão histórica e complexa e que junto com isso vem uma porção de universos menores e obscuros que a gente desconhece e até agradece por desconhecer. A gente tenta entender, também, porque a gente sabe que não tem culpa mas dá a própria bênção pra isso todos os dias, com nosso silêncio complacente.
Acontece que do lado de cá também tem gente. E tinha, de fato, quatro caras pensando na aula da manhã seguinte, pelo menos dois deles pensando no emprego dos fins de semana. Nenhum desses quatro caras conseguiu o que tem de graça ou sem esforço. A sorte, maior pra eles que pros outros, é claro, se encarregou de colocá-los em famílias mais ou menos estruturadas - e só. Daí pra frente cada um precisou encontrar a melhor forma de fazer as coisas darem certo. As oportunidades de desvio foram muitas, como para os outros.
A gente pode tentar, mas nunca vai entender os trinta segundos que separam o jogo na TV do terror dentro de casa, do susto, do tremor, do medo.
A gente nunca vai entender a arma apontada, a gente nunca vai entender essa coragem que, pra existir, precisa ameaçar. A gente pode entender todo o enredo que culminou ali, mas nunca, nunca vai entender o segundo e meio em que alguém decide entrar numa casa com uma arma, render quatro jovens, amarrá-los no banheiro, ameaçar e levar consigo tudo que encontrar, usando a adrenalina pra tentar aliviar o que nem drogas nem luta foram capazes sozinhas. A gente tenta entender que ali o encontro era entre quatro caras que puderam planejar suas vidas e outros quatro que a vida discriminou o tempo todo, mas pra gente - ou antes pra mim - ser bom ou mau continua sendo uma escolha, não uma consequência.
E então trocar as fechaduras da casa, vender o carro deixado pra trás, mudar pra um apartamento, trancar um pouco mais a própria existência e esperar que passe a sensação de que somos todos muito frágeis e vulneráveis.
O pior da violência não é o que ela leva, mas o que deixa.

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