segunda-feira, 12 de abril de 2010

Sinestesia

(Trecho de um ensaio do que um dia - ou nunca - virá a ser um livro).
Para acompanhar, caso eu tenha moral para recomendar alguma coisa:


O frescor da noite de outono entrava pela janela entreaberta do apartamento e dançava pelos cabelos longos. Ela começou a prendê-los no alto da cabeça com uma caneta, enquanto tentava colocar alguma coisa no papel que lembrasse - ainda que de longe - a matéria que o professor havia passado no dia anterior.
Já fazia horas que ela estava acompanhada de uma pilha de livros sem, contudo, ir além de duas meras páginas, que só não haviam sido jogadas fora porque ela não conseguira nada melhor.
Olhou para o despertador, verificando o horário. 3h15. Pensou em ir dormir, mas não estava ainda com sono, então resolveu ir para a cozinha e preparar alguma coisa para comer. O trabalho teria que esperar.
Saiu pela porta que levava ao corredor, passou pela sala e entrou na cozinha. Ao bater a mão no interruptor, lembrou-se que a luz estava queimada. Abriu a geladeira para enxergar um copo no armário.
Preparou um saduíche e já voltava para o quarto quando o telefone tocou.
3h15 da manhã?! - pensou - quem está me ligando a essa hora?
Seu coração disparou. Imediatamente um mal estar atingiu a boca do estômago e quase a fez vomitar. Parecia que algum fantasma havia lhe dado um soco.
Era um pressentimento, intuição, sexto sentido, ou seja lá como se chama quando o coração bate no estômago e os dois caem em um buraco no meio da barriga. Apesar de toda a impossibilidade de que aquele pensamento fosse real, ela soube exatamente quem estava do outro lado da linha.
Deveria atender? O que dizer depois de tanto tempo? - O telefone não parava de tocar e ela permanecia relutante em atender, congelada no meio da sala, segurando o sanduíche e o copo de leite, com os cabelos presos no alto da cabeça e o pijama de malha, enquanto o vento daquela noite de outono soprava pelo apartamento silencioso. Incapaz de mover um só músculo, com a respiração suspensa e o coração quase saindo pela boca, ela apenas esperou.
Finalmente o aparelho parou de tocar e o ar voltou a circular à sua volta. Retomando o olhar, que estivera todo o tempo pregado no telefone, ela caminhou de volta para o quarto.

Um comentário:

  1. Nossa, que aflição! Duvido que tenha conseguido pegar no sono. Bem, eu não conseguiria. Parabéns pelo texto, descrições precisas e sintomáticas como deve ser um bom texto!

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