terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Em tempo

O celular toca, minha mãe avisa que meu avô vem almoçar no sábado. Há anos ele não vem almoçar no sábado, nem na sexta ou qualquer dia. Há anos ele simplesmente não. Não está, não liga, não vem, não fala, não dá notícia, não se importa. Há anos deixamos de nos importar também.
Mas eu tenho vontade de dizer umas coisas, sabe... olha, vô, eu gosto de um pouco de rock mas também amo MPB; e essa cicatriz aqui eu ganhei quando caí no banheiro depois do banho porque um idiota qualquer me deixou com a cabeça meio lenta; eu me formei mas nem gosto muito do curso que fiz; eu gosto mesmo é de escrever e tem gente que diz que escrevo até bem; meu gênio é igualzinho ao da minha mãe; eu sofro um monte porque fiquei velha cedo demais; só como bolo se for de chocolate e um dia vou perder o estômago de tanto tomar Coca-cola; meio que desanimei de beber e agora não bebo mesmo quase nada; às vezes eu rezo um pouco mas é tão pouco que a essa altura não tenho nenhum crédito com deus. Só que eu acredito, sabe... que existe uma porção de coisas boas esperando em algum lugar, na evolução das almas e que há alguém olhando todo esse absurdo do mundo e cuidando. Eu sei que to falando rápido e muito, mas é que são vinte e três anos, tente entender.
Quando meus pais se separaram e o pânico era horrível, fui parar no hospital um montão de vezes, eu achava que ia morrer, não é ridículo? Tinha bastante gente que estava comigo, vô. Vários amigos, meus irmãos, minha vó. Foi difícil pra burro mas olha a gente aqui e já se vão oito anos. Eu sou bem querida por um bocado de gente, embora meu jeito estourado tenha me proporcionado uns desafetos também. Não acerto meus relacionamentos e ainda to tentando acertar minha carreira, mas melhorei muito de um tempo pra cá. Dá pra notar né, mãe? Né, vó? Né, tia? Elas viram, elas estavam aqui todo esse tempo. E você?
Porque minhas lembranças de você se resumem ao doce de leite que você trazia do laticínio a toneladas quando eu era bem novinha, um tênis cinza que eu usei um monte e as vezes em que pediu pra me ver tocando teclado. Eu também não sei nada de você, não é chato? Eu queria poder te dar presente de aniversário, ligar pra contar as novidades, pedir tua opinião.
Tá lá, vô, na fita do meu aniversário de um ano, a gente não se desgrudava, minha mãe diz que você era louco por mim e então?
Então nada, você é uma pessoa à parte do resto da minha vida. Não temos uma foto juntos desde que eu tinha, sei lá, oito anos. Meu outro avô morreu, você sabe, e mesmo assim minhas fotos com ele vão bem além disso.
Eu não tenho nenhuma raiva de você, eu senti tua falta a vida toda, a gente se encontra e nem tem assunto de tanto que se desconhece e isso é bem triste, mas no fundo que bom que você veio almoçar com a gente. Você é bem importante pra mim, se quer saber. Um dia talvez eu até consiga te explicar tudo isso.
Minha vida é bem estranha e a tendência é que caras legais e importantes sumam dela, assim como você. Pra ser sincera já me acostumei e nem ligo muito mas é que, de todos os caras legais e importantes que desapareceram, você é o único que eu sempre quis ter de volta.

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